segunda-feira, 8 de junho de 2020

Máscara



Comprei laranja e mamão enquanto a Flávia comprava verduras e legumes.
Antes de parar na barraca, achei que ela tinha ido para o fim da feira.
Saio de frente da barraca e fico parado na calçada oposta, onde há um vão livre, quase atrás de uma barraca de utensílios domésticos.
Longe das pessoas, fico de olho no movimento, para me dar conta quando a Flávia passar retornando do fim de feira.
Um casal de pretos se aproxima.
- Moço, quanto está o chinelo?
- Hoje está de graça, pode levar.
O feirante, que atende outra pessoa, fuzila-me com o olhar.
Mentira. Meu raciocínio não foi tão rápido o suficiente para me propiciar esse momento de divertimento.
Sorrio levemente com meu sorriso preto debaixo de minha máscara preta e o leve meneio de minha cabeça completa a mensagem para ela, que aparentemente sorri de volta seu sorriso preto, quem sabe emoldurado por seus quem sabe belos e alvos dentes, por baixo de sua máscara florida.
O marido a tudo acompanha, silencioso, debaixo de sua máscara cujas características não são captadas por mim, afinal meus sentidos estão sugados pelo diálogo com sua mulher, como sói ocorrer em situações equivalentes.
O feirante, um improvável japonês para aquele tipo de barraca, com traços nordestinos termina de atender outro cliente, informa-lhe o preço, ela agradece e desaparece com o marido preto cuja cor da máscara não fui capaz de observar.
O feirante que, pensando bem – não será um nordestino de ascendência indígena? Isso realmente parece mais provável – continua seu labor com sua máscara preta com o brasão corintiano, agora que meus sentidos estão desbloqueados, sou capaz de observar esse detalhe.
É, parece que a Flávia não foi para o fim da feira. Melhor ir para o carro. Ela deve estar lá me esperando.

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