sexta-feira, 15 de março de 2019

Sobre o medo



I Jô 42:3

Mário Schenberg, o maior físico teórico do Brasil, um dos maiores do mundo, segundo Jô, considerado por Einstein seu sucessor, foi acolhido na casa de Jô e Theresinha, no bairro paulistano de Moema, durante algumas semanas, fugitivo da ditadura. Ele conta alguns episódios dessas semanas. Esses episódios são tratados no último capítulo do 1º volume do seu livro de memórias, que começa falando sobre o sentimento imediato que ele teve quando se deu o golpe militar: medo. Ele disse que era um sentimento que até então ele não conhecia com o qual teve que conviver durante muito tempo.

A gente vê claramente o medo que os perseguidos pela ditadura sentiam. Mas esse relato da biblioteca do físico mostra algo bastante claro para mim. O medo dos ditadores. A ditadura atacava os intelectuais, os pensadores, as mentes livres justamente por ter medo deles. Por isso se tornavam truculentos. Eu fico com a impressão que ditadores em geral se sentem diminuídos, acuados, ameaçados por pessoas que detenham conhecimento, que tenham uma visão da vida mais ampla que suas mentes mesquinhas e limitadas. Por isso as atacam, porque essas pessoas representam ameaça.

Isso me fez lembrar de um episódio na minha igreja. Eu sempre fui tido como um jovem “questionador” demais. Alguns pastores, principalmente da minha fase da adolescência, viviam a me entregar para o líder máximo da nossa comunidade evangélica, o “pastor presidente”. Lembro-me de algumas reuniões que fiz na cozinha de um deles, quando ele tentava enquadrar minha forma de pensar. Todo esse “problema” porque eu era uma mente independente, com ideias fora da caixa e, de alguma forma, ganhava alguma notoriedade (musical) e respeito na comunidade. Enfim. Anos mais tarde, recém-casado, um dos pastores que não suportava muito meu jeito independente de ser, me disse certa vez na secretaria da igreja: “Obadias, eu tenho medo de você.” Eu ri. Achei realmente engraçado e irônico até. Como assim, medo de mim? A relação de poder, a meu ver, estava totalmente invertida na cabeça dele. Ele era um pastor com todo poder e que poderia me massacrar, se quisesse, eu era um simples membro que, a propósito, não me defenderia de qualquer ataque, como nunca me defendi de nenhum deles. Mas confesso que, na hora não entendi. Anos mais tarde aquela confissão fez sentido para mim e é o mesmo que eu vejo no relato dos intelectuais/pensadores/cientistas perseguidos pela ditadura, guardadas as devidas proporções. As figuras que detêm o poder institucionalizado se sentem diminuídas diante do conhecimento ou capacidade de enxergar o mundo de forma não tacanha de tais pessoas e a reação sempre é atacá-las, calá-las, destruí-las, enxovalhá-las. Por puro medo.

Fica uma reflexão para os negros momentos em que vivemos no nosso país, onde a imbecilidade e o pensamento obscuro, tacanho, fundamentalista, reducionista, simplista, negador da alteridade chegou ao poder com uma sede insaciável de caça às bruxas, apoiado pro exércitos de zumbis histéricos que promovem verdadeiros linchamentos virtuais em qualquer pessoa que tenha um conhecimento mais profundo sobre qualquer assunto que eles não conhecem e que tais conhecimentos contrariem suas visões rasas e dogmáticas. Medo. Puro medo. De se darem conta da sua vergonhosa nudez intelectual.

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