sábado, 26 de setembro de 2020

Compondo música com meu filho de 11 anos

- Pai, vamos compor uma música juntos?
- Tá bom, Felipe.
- Pode ser pra orquestra?
- Nossa, é muita coisa. Vamos fazer pra piano.
- Ah... eu queria mais instrumento.
- Então pode ser quarteto de cordas?
- Ah... legal!
Abre o Sibelius e me diz que tom o andamento eu quero:
- Dó maior. O andamento pode ser lento, pra ficar mais fácil pra eu tocar no piano.
Colocadas as informações iniciais e aberta a partitura em branco...
- Felipe, toca 4 notas aleatórias
Ele toca 4 teclas brancas a esmo em diferentes oitavas do piano.
Eu toco novamente as 4 notas dentro de uma única oitava. A combinação me sugere Dó maior.
- Nossa, pai, minha mente já imaginou um monte de coisas!
- Ótimo, toca o que você pensou então.
Ele toca a sequência de notas e acrescenta algumas outras improvisando um curto tema. Ele introduz um Si bemol.
- Percebeu que você improvisou um tema em Fá maior? Muda a armadura de clave pra Fá maior.
Cantarolo a melodia sugerindo uma determinada subdivisão rítmica em 4 por 4.
- Pode ser assim?
Ele sugere outra subdivisão rítmica, em 4 por 4, mas com as notas valendo metade do tempo que eu sugeri. Isso resulta em uma pulsação rítmica bem mais lenta que a que eu sugerira com minha subdivisão.
- Ok, escreve então.
Ele escreve via piano na linha do violino e toca. Impressionante! Soa exatamente com o andamento que ele tinha sugerido. Isso me leva a uma primeira “triste” constatação: como as crianças absorvem as coisas rapidamente, na velocidade da luz! Por conta das aulas de piano, ele tem experimentado vários tipos de andamento e a fixação dos padrões por parte dele é muito rápida.
Na sequência, completa a linha melódica do violino e se põe a escrever as demais vozes. Percebo que ele tem pouca preocupação com a harmonia (pensa de forma horizontal) mas as frases saem organicamente, funcionando bem harmonicamente.
- Felipe, em vez de você clicar com o mouse na figura da nota a cada mudança de figura, pode usar o teclado numérico. Tá vendo esse quadro aqui com as figuras musicais? Não lembra o teclado numérico? Essa é a ideia. Então é mais simples. Veja.
Repito a frase que ele acabou de escrever usando o teclado numérico, não o mouse, como ele estava fazendo.
- Nossa, pai, não sabia que era tão fácil assim! Eu demoro horas pra escrever uma frase!
Reassume o controle e com uma habilidade e coordenação impressionantes, sai tocando a melodia e rapidamente mudando as figuras pelo teclado numérico numa velocidade que eu, com meus anos de prática, jamais conseguiria. Segunda “triste” constatação: estou reduzido a um velho à beira da morte. Ahahahahahah!
- Felipe, as ideias estão bem legais. Sem querer limitar sua criatividade, se você tiver a percepção do caminho harmônico, talvez enriqueça. Deixa eu te mostrar.
Com minha habilidade limitada, cantarolo a melodia do violino que ele acabou de compor e toco a harmonia no piano. Alegre, ele percebe que, de fato, a percepção harmônica ajuda bastante.
Basicamente foi isso. No mais, ajudei-o em 2 ou 3 passagens onde ele se sentiu desconfortável com o resultado (e de fato dava para melhorar) mudando não mais que 5 ou 6 notas de passagem para que elas não distorcessem um pouco a clareza harmônica do todo. Ele quis fazer um final mais moderno, colocou algumas dissonâncias nos 2 últimos compassos, detestou por ter considerado “contemporâneo demais” e reescreveu de forma a ficar mais coerente com o todo. Concordei com sua decisão. Preferi não sugerir nada, apenas orientá-lo eventualmente em alguma dificuldade, mas isso foi muito ocasional.
Eu pouco mais de 2 horas ele tinha escrito sua pequena brincadeira composicional que ele chamou de “Teste Para Quarteto de Cordas”.

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