segunda-feira, 14 de setembro de 2020

Sobre o racismo e a invisibilidade



O trecho abaixo do livro "Americanah" de Chimamanda Ngozi Adichie, que estou lendo, me fez recordar de um episódio idêntico que passei. O livro fala da experiência dos nigerianos nos EUA sob o ponto de vista do racismo.
 
Vamos ao trecho do livro:
 
Quando eles entraram num restaurante com mesas cobertas por toalhas de linho e o recepcionista olhou-os e perguntou a Curt: “Mesa para um?”, Curt rapidamente disse a Ifemelu que o recepcionista não tinha dito aquilo “por isso”. E ela quis perguntar: “Por qual outro motivo seria?”. Quando a mulher com cabelos cor de morango que era dona de uma pousada em Montreal se recusou a demonstrar que tinha registrado a presença de Ifemelu enquanto eles faziam o check-in, numa cegueira determinada, sorrindo e olhando apenas para Curt, ela quis lhe dizer o quanto se sentia negligenciada, mais ainda porque não sabia se a mulher não gostava de negros ou se gostava de Curt. Mas não disse, pois Curt lhe diria que ela estava se ofendendo por nada, ou que estava cansada, ou ambos.
 
(Chimamanda Ngozi Adichie. Americanah (Locais do Kindle 5061-5066). Edição do Kindle)
 
Agora minha experiência:
 
Durante muitos anos viajei a trabalho pela América do Sul, em vários países, por grandes multinacionais. O país que mais visitei foi a Colômbia, especificamente Bogotá. Tantas viagens que por duas vezes na "aduana" me perguntaram que tanto eu fazia naquele país. Por conta disso, meu espanhol era colombiano e impecável. Tanto que as pessoas achavam que eu era colombiano. Quando dizia que não e pedia para acertarem minha nacionalidade, nunca ninguém chutou brasileiro e ficavam impressionados com minha falta de sotaque, já que o portunhol do brasileiro é inconfundível. Meus amigos da ExxonMobil, quando tinham alguma dúvida em ortografia ou gramática espanhola, me consultavam.
 
Numa das minhas viagens a Buenos Aires, onde trabalhei em alguns projetos de outra multinacional, fui com um colega de trabalho que treinei no projeto por 2 semanas. No fim de semana, saímos para fazer turismo. Meu espanhol era perfeito, com sotaque colombiano, claro, e meu colega de trabalho, branco, arranhava um portunhol bem macarrônico. Por isso mesmo, nas interações com os transeuntes, percebi algo diferente daquela vez, já que eu costumava andar sozinho pelas ruas de Buenos Aires:
- Você percebeu que as pessoas não falam comigo, mas com você?
- Claro que não, é impressão sua.
- Será? Observe.
Sempre que parávamos para conversar com alguém na rua, ele se mantinha calado. Eu conversava com o(a) portenho(a) que simplesmente me ignorava e respondia para ele. Daí o diálogo era assim: eu falava com as pessoas que olhavam e respondiam para ele, ignorando totalmente minha presença.
Depois de algumas interações com outras pessoas logo após eu lhe sugerir que observasse o comportamento delas, ele reconheceu que eu tinha razão, impressionado.
 
Uma vez eu perguntei a um taxista se havia racismo na Argentina. Sua resposta foi reveladora:
- Não temos racismo: não temos negros aqui.
 
Mas esse episódio de invisibilidade não foi o pior que eu experimentei em Buenos Aires.
 
Também experimentei um episódio de invisibilidade, há muitos anos, em um banco extremamente chique na Av. Paulista, quando fui resolver um problema de um cliente que estava com a corda no pescoço. Quando cheguei no banco, no décimo alguma coisa andar de algum edifício na Paulista, uma recepção chiquérrima, havíamos apenas eu e a recepcionista na recepção que era bem grande. Eu estava afundado em chiquérrimo sofá de couro, esperando. O cliente passou por mim, ignorou-me e perguntou para a recepcionista:
- Cadê o Sr. Obadias?
Eu percebi que a recepcionista explicou para ele, por mímica, que o Sr. Obadias estava sentado no sofá.
Pausa dramática.
Ele se virou com um sorriso ensaiado e disse algo como:
- Bom dia, Sr. Obadias!
- Esperava alguém alto, loiro e de olhos azuis? - não perdoei, claro!
Extremamente constrangido, ele tentou negar o óbvio.
Resolvi seu problema da forma mais impressionantemente rápida e eficiente que pude somente para deixá-lo humilhado na sua cretinice racista.
Ele, de fato, ficou bem impressionado. Espero que tenha servido de lição e que ele tenha refletido a respeito da sua imbecilidade.


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