quinta-feira, 13 de junho de 2019

Sobre fé e falta dela

Ontem recebi em casa um motoqueiro que entregava um livro da TAG, clube que a Flávia participa.
Meu nome, Obadias de Deus, inspirou uma conversa com ele. Quis saber se eu era evangélico.
Respondi que sim, de tradição evangélica.
Tradição? Mas você não frequenta a igreja?
Não mais.
Ele quis saber o motivo.
Fiz uma pequena digressão explicando que, apesar de ser de uma família tradicionalmente evangélica, de pastores inclusive, sempre tive um perfil mais reflexivo, contestador que provocaram em mim, ao longo do tempo, um descolamento das crenças dogmáticas religiosas. Em algum momento eu já não via mais muito sentido frequentar uma igreja. Então deixei de frequentar.
Ele então me contou sua experiência. Disse que também frequentava a igreja evangélica, mas que se afastou. Fez um pequeno resumo da sua história, basicamente filho de um presidiário, o que na época da sua infância era um estigma muito grande. Hoje não é mais, disse ele. Enfim, perdeu o pai e a mãe quando ainda era garoto. E anos mais tarde, perdeu também o irmão mais velho. Foi criado pelos tios.
Seu relato sugeriu que ele perdeu os pais e o irmão para o crime. Uma história muito triste.
Em certo momento ele disse que se questionava que pecado ele teria cometido para merecer isso. Eu lhe disse que não se tratava de pecado nenhum. Que a vida castiga muitos de nós, alguns bem mais que outros, o caso dele, infelizmente.
Ele disse que apesar de ver um monte de problemas na igreja, ainda acreditava em Deus. Eu lhe disse que o importante é que cada um viva bem resolvido com sua fé. Ou com a falta dela.
Ele disse também que acredita que, se não fosse o convívio religioso, teria se perdido também. Eu lhe disse então que essa é uma das características mais importantes e positivas de uma fé religiosa e do cristianismo em particular: o senso de comunidade, onde as pessoas cuidam uma das outras e, de alguma forma, se salvam da destruição.
Ele disse então que lamentava muito pelos seus pais que tiveram o fim que tiveram, que eles pagaram pelo que fizeram. Ele chegou a dizer que o que fazemos, pagamos aqui mesmo. Eu não discordei e acrescentei que o que acontece conosco muitas vezes é resultado das escolhas que fazemos.
O papo estava bom e ele resolveu interromper porque havia outras entregas a fazer. Não deu tempo de eu concluir meu raciocínio que era: mas mesmo que nossas tragédias pareçam ser apenas resultados de nossas más escolhas, muitas vezes apanhamos tanto da vida que não nos resta outra alternativa a não ser fazermos muita merda. Talvez numa sugestão para que ele fosse um pouco mais condescendente com seus pais, afinal, mesmo aquelas pessoas que fazem muita merda na vida, muitas vezes estão errando tentando fazer a coisa certa. Mas infelizmente não deu tempo.
Ele me deu um abraço, subiu na sua moto e foi para sua próxima entrega.

Em mim, além do sentimento de solidariedade com aquela história triste, ficou ressoando o seguinte:

É sempre um grande desafio aceitarmos as tragédias da vida
Se a fé nos ajuda a superar essas tragédias e nos tornarmos pessoas melhores, mais humanas, melhor resolvidas, ela é boa
Se a fé atrapalha ou nos faz insensíveis às dores do outro, seja pelo motivo que for, se nos faz sentir melhores que o outro, ela é má
O mesmo se aplica à falta de fé
Não vejo mérito algum em ter ou não ter fé
Se há algum mérito nisso tudo é o que fazemos de bom da nossa fé ou da falta dela
Isso sim, é o que importa.

Nenhum comentário:

Postar um comentário