sábado, 14 de setembro de 2019

Seja um pseudo-intelectual de merda


Estou assistindo a série Explicando na Netflix e em alguns episódios de questões científicas eles colocam algumas informações que fogem do senso comum e que, por algum motivo eu penso: ué, mas isso é óbvio! Como eu sei que é óbvio? Sei lá. Só sei que é assim.

Não é bem assim e isso tem a ver com outra questão abordada na série, inclusive: nossa memória. Obviamente que eu já li tanto livro bom, tanta informação boa e embasada que não me lembro mais de onde veio a grande maioria das ideias que me parecem óbvias e que muitas vezes se chocam com o senso comum. Ou seja, não sou um iluminado. Apenas uma pessoa que lê bastante. E lê coisas boas.

Nas minhas interações em redes sociais com amigos ou nem tão amigos assim, um tipo de xingamento que recebo de forma recorrente é o de “pseudo-intelectual”. Em vez de me ofender, eu me divirto à beça. Mas esse tipo de xingamento tem uma explicação. Quando meu interlocutor expõe uma explicação simplória de um determinado fenômeno, eu contesto e sugiro que a realidade pode ser mais complexa que sua leitura simplista, em vez de pensar seriamente no que estou propondo, meu interlocutor se ofende e só lhe resta devolver a ofensa: seu pseudo-intelectualzinho de merda!

Isso sugere outra coisa: arrogância do meu interlocutor, xingamento que eu recebo com bastante frequência também. Sim, ainda que a arrogância seja pedante, na medida em que o arrogante se julgue melhor, penso que se recusar a investigar o argumento do outro sugere uma crença tão grande na superioridade do seu argumento que só lhe resta desprezar o argumento alheio, considerado desprezível: isso é arrogância. E nada melhor do que desprezar insultando: quem você pensa que é? Se julga um intelectual? Você é um nada, não passa de um pseudo-intelectual.

Ou então a reação pode significar outra coisa: sentimento de inferioridade. Na incapacidade de refutar o pensamento diferente e na sensação de que isso o torna inferior, só resta ao interlocutor ofender o outro, de forma a compensar seu sentimento de inferioridade.

Eu já perdi as contas em que discuti com outras pessoas e elas apresentaram argumentos muito mais consistentes que o meu. Às vezes até passei vergonha com meus argumentos frente à superioridade da argumentação de alguns dos meus interlocutores. O que eu fiz? Como não sofro complexo de inferioridade nem me julgo tão arrogante como algumas pessoas acreditam, me pus no exercício de entender melhor o que meu interlocutor dizia e, na maioria das vezes, joguei fora minha forma de pensar e adotei a do meu interlocutor porque me pareceu bem mais razoável.

Obviamente que todo esse exercício dá trabalho e exige esforço. É mais fácil digerir e ruminar visões simplórias e bovinas da realidade. E é por isso que estamos metidos em um Brasil medieval, autoritário, anti-intelectual e religiosamente obscurantista em pleno século XXI.

Então, se eu puder dar uma sugestão, tente se tornar em um “pseudo-intelectual de merda”. Dá um pouco de trabalho, mas é compensador. Dois hábitos são fundamentais:


  1. Ser um amante do conhecimento e devorador de bons livros
  2. Nunca se sentir ofendido com uma visão mais complexa da realidade: a realidade é complexa e somente análises mais complexas dão conta dela, não aquelas correntes de memes de whatsapp.


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