quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

O dia em que o Kol Brasilis nasceu

– Cara, aquela parte do solo ficou super legal. Que compasso era aquele? Tentamos identificar, mas não conseguimos. Era 5/4? 7/4?
– Não, era um básico 4/4 mesmo. É que nós erramos.

Era junho de 2003. Estávamos no Teatro Paulo Machado de Carvalho, em São Caetano do Sul em um encontro de coros. Era promovido pela Igreja Batista de Vila Gerte e eu estava participando com o Karpos, coro da igreja que eu freqüentava. Eu já participara em outras edições do encontro com dois corais, o Karpos e o Cifra, esse último, um coral jovem que, no primeiro ano, causara sensação com um arranjo que eu fizera de uma música conseguida com o Mário César, organizador do evento, e no segundo ano chocara com um “proto-musical” sobre o profeta Jonas que mesclava rap, samba, baião e funk, de minha autoria com alguns coristas.

Todos os anos o encontro de coros era aberto por um prelúdio instrumental pela banda da IBVG. Em 2003 coincidiu que eu havia feito um arranjo para uma música chamada “Em Jesus”. Esse arranjo havia sido feito para grupo vocal a capela, num curso de arranjo vocal que eu fizera com arranjador carioca André Protásio. Eu achara que o arranjo havia ficado legal, mas não tinha perspectiva alguma de utilizá-lo em qualquer situação. Foi então que, na maior cara de pau, contatei o Mário César e lhe propus que ele poderia inovar naquele ano: em vez de abrir o evento com sua tradicional banda, ele poderia ceder a oportunidade para eu apresentar um arranjo que eu tinha feito para um grupo vocal. O Mário César, sempre aberto a novas idéias, topou.

Pode-se dizer que o Kol Brasilis, ainda sem nome, surgiu dessa empreitada. Quando comecei a trabalhar com o Cifra, passei a me preocupar a fazer uma música com raízes mais brasileiras. Essa preocupação me levou a procurar um curso que passasse técnicas de escrita vocal para o universo brasileiro. Foi então que, num belo dia, deparei-me com um email falando sobre o curso do André Protásio.

O curso foi muito bom, mas o seu mérito mesmo foi o de me fazer romper com meus preconceitos. Numa das aulas, o André Protásio mostrou uma gravação de um arranjo a capela que ele escrevera para a música “Se eu quiser falar com Deus”, gravada por seu grupo vocal, o Equale. Aquela audição foi uma verdadeira epifania para mim. Além de me tocar profundamente, fiquei bastante surpreso ao descobrir que havia arranjadores daquela qualidade no país. O meu referencial era o Take 6 e eu imaginava que ninguém no Brasil escrevia algo mais sofisticado em termos de harmonia.

Naquele momento, sentado na carteira, enquanto o arranjo ainda reverberava dentro de mim, resolvi que eu precisava escrever arranjos daquele tipo. Eu precisava entregar um arranjo no final do curso e, como eu não consegui escrever nada que considerasse interessante, resolvi utilizar um arranjo que eu tinha começado a fazer para o coro Karpos, a partir da música “Em Jesus”. Eu havia utilizado algumas técnicas do curso, mas o coro encontrara muita dificuldade em interpretá-lo. Já que o arranjo estava encostado e eu tinha que encontrar outra música rapidamente, optei por ele.

Bem, encontrar os cantores não foi uma tarefa muito difícil. O difícil foi fazê-los cantar. Quando do workshop, eu já tinha escolhido o elenco, oito pessoas, já que o arranjo tinha divises em alguns trechos em cada uma das 4 vozes (SCTB). Comecei a ensaiar a música para o encontro de coros, mas a dificuldade de fazê-la soar era quase intransponível. Num determinado momento, conversando com meu amigo Rogério S. sobre essa dificuldade, ele me fez uma proposta muito interessante: “Por que não dobrar o número de pessoas e colocar duas pessoas por voz?” A idéia me pareceu fantástica e eu não havia pensado nela. De fato, isso resolveu o problema. Convidei mais oito pessoas. Esse foi o elenco inicial do Kol Brasilis:

  • Priscila Lima e Rosi – sopranos
  • Ariane e Edna – mezzo-sopranos
  • Flávia e Gisele – 1ºs contraltos
  • Laudicéia e Priscila Ferminio – 2ºs contraltos
  • Éttore e Rogério – 1ºs tenores
  • Daniel e Paulo – 2ºs tenores
  • Anderson e Marcelo – barítonos
  • Jonas e Valdeílson – baixos


(Com relação ao Éttore, eu acabei cantando na abertura do encontro de coros. O Éttore só foi convidado algumas semanas depois, mas o considero como parte do elenco inicial)

Ensaiamos bastante e fizemos a apresentação na abertura do encontro de coros. A Priscila Ferminio ficou encarregada de fazer o solo da 2ª estrofe. No palco, como ficamos numa linha reta, dependíamos totalmente do retorno. O nervosismo dos cantores por cantar em frente a um grande público, associado ao retorno que estava um pouco deficiente, fez com que o pessoal se perdesse ritmicamente no começo da estrofe do solo da Priscila, o que gerou um desencontro das vozes no harpejo que eu havia escrito e que fez os músicos – do diálogo no início desse texto – preferirem acreditar que aquela parte do arranjo tinha uma estrutura rítmica mais sofisticada a acreditar, simplesmente, que tínhamos errado. No demais, tudo funcionou bem, e o arranjo teve uma boa acolhida do público, que gostou do tipo de sonoridade um pouco mais elaborada do que eles estavam acostumados a ouvir.

4 comentários:

  1. keep writing! suas historias sao legais de ler, mesmo para um leigo no assunto mais tecnico.
    abraço

    evandro melo

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  2. A ideia é essa, Evandro: escrever textos com uma linguagem simples e que não demande esforço na leitura. De complicados já bastam meus arranjos.

    Abraços,

    Obadias.

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  3. Ah, Evandro, há mais um detalhe: a ideia do blog (que era a ideia do livro) é apenas a de contar boas histórias (pelo menos para mim). Afinal, duas das melhores coisas da vida são os amigos e um bom "causo" pra contar. Se eu conseguir, o meu objetivo estará plenamente alcançado.

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