quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Pequenos instantes de uma viagem

Tenho muitas histórias das minhas viagens pela América do Sul e México. Se tentasse escrever todas, acredito que os livros do mundo todo não seriam suficientes para contê-las. Certa vez, trocando e-mails com meu amigo “canadense” Gustavo, comentei sobre a capela existente no aeroporto de Cumbica, onde ele já teve seus momentos de reflexão em suas viagens Brasil-Canadá. Por sugestão dele, resolvi incluir uma adaptação do email que lhe enviei:

Nas minhas passagens pelo aeroporto de Cumbica, em Guarulhos-SP, sempre dou uma olhadela curiosa no movimento da capela daquele aeroporto para ver o que está acontecendo. No final de abril de 2007, os relatos mais interessantes da minha viagem começaram naquela capela, por onde passei antes de fazer o check-in.
Resolvi fazer meu check-in antes de voltar à capela, onde vira um rapaz tocando violão, com os olhos mirando hacia el más allá, enquanto um pequeno grupo o acompanhava.  Fiz o check-in na Varig. Não havia viajado mais de Varig depois da derrocada da companhia: que tristeza os balcões às moscas! Voltei para ver o que cantavam na capela, mas só encontrei o pessoal se despedindo. Aproveitei e fiz um lanchinho no mesmo restaurante em que, meses antes, juntamente com o Maurício D., me encontrara com o K-fé, de férias no Brasil. O Maurício D. é um talentoso compositor de trilhas e produtor fonográfico.
Era uma rápida viagem entre a Colômbia e a Argentina durante uma semana. Havia muito eu não voltava à minha quase segunda pátria, Colômbia, de forma que eu me sentia um tanto nostálgico. Mas o que valeu na viagem, mesmo, foram algumas figurinhas carimbadas que encontrei.

No voo de ida, meu companheiro de viagem era um funcionário da Petrobrás que desembarcou na escala de Manaus. Depois da quebra da Varig, parece que haviam descontinuado o voo direto a Bogotá, sem escalas. Ele me contou que trabalhava há anos em um projeto da Petrobrás, as filhas viviam em São Paulo, aonde ele ia a cada 15 dias visitá-las, e sua mulher trabalhava numa embaixada brasileira em Paris. Eita mundo moderno, globalizado e sem porteira!

Em Bogotá, numa empresa do ramo químico, a pessoa que me atendeu era uma simpaticíssima jovem, esposa de um roteirista de cinema que estava lançando um livro na tradicional Feria del libro, que existe na cidade que estava ocorrendo naquele fim de semana. Já deixei uns trocados por lá, em outra edição daquela feira. O lançamento tinha até direito a entrevista por um canal de televisão colombiano. Ela me contou que eles se casaram bem jovens. A identificação foi imediata porque um colega de trabalho que me precedera meses antes já havia a meu respeito, de forma que ela sabia que sou músico e que estava trabalhando num projeto de CD. Ela ouviu algumas das gravações do CD, gostou, pediu uma cópia para mostrar ao marido e ainda me recomendou ouvir Neri Per Caso, que eu já conhecia. Quanto ao marido, apesar da sua tenra idade, 34 anos, já estava bastante desanimado com as exigências do “mercado” que faziam com que seus roteiros fossem modificados. Eita mundo empobrecido!

Na minha volta de Bogotá, com destino à Argentina, tive que fazer escala no Brasil e embarcar em outro voo porque o pessoal havia se atrapalhado nas minhas reservas aéreas. Por conta disso, amarguei 6 horas de escala em Cumbica. Eu até poderia dar um pulinho em casa, tomar um café com a esposa e voltar ao aeroporto. Mas, como era feriado de 1º de maio, não quis derrubá-la cedo da cama. Depois ela me disse que teria feito o café com o maior prazer – essas mulheres, sempre tão atenciosas com seus maridos! A escala me rendeu uma nova interação, dessa vez com um cidadão que ia para um país africano, do qual não me recordo mais, com escala em São Paulo, uma vez que sua escala em Paris havia feito água. Ajudei-o na sua aflição, emprestando-lhe o número do meu CPF para ele comprar créditos do hot-spot da Telefônica, disponível no aeroporto. No aeroporto de Bogotá, na noite anterior, eu havia utilizado a internet sem fio de graça para baixar os emails que não havia conseguido baixar no Hotel Hacienda Royal, cuja conexão à internet era muito cara. O viajante ligou para a África (ou França – falou em inglês) a partir do Skype e sua filha aproveitou e fez uma ligação para o namorado que estava em Hong Kong. Eita mundo digitalizado, aldeia global da moléstia!

Em Buenos Aires, ajudei um hóspede do hotel a resolver um problema com seu email. Nesse hotel, o rapaz da recepção me passou num sussurro, quase olhando para os lados, a senha ultra-secreta para acessar a internet sem fio e gratuita do local: 1234567890. O hóspede do problema no email era da República Dominicana e estava no país para uma série de palestras. Ele se dizia amigo do presidente de seu país e que fora destacado para capitanear uma investigação com objetivo de acabar com uma corrupção endêmica na sua pátria. Não me lembro dos detalhes. Era separado e seus filhos dispunham de quatro ou sete guarda-costas, por aí. Ele, aos 42 anos, dizia dispensar guarda-costas porque sabia que, no caso de resolverem assassiná-lo, não seriam seus guarda-costas que impediriam. Eita mundo corrupto e cheio de republiquetas bananeiras!

Nessa sala de internet, onde ajudei o cidadão dominicano, havia um argentino consultando seu Orkut. Ao mesmo tempo, planejava com minha chefa na época alguns passos que daríamos nas reuniões dos dias seguintes. Havíamos nos encontrado naquele hotel, eu chegado da Colômbia, ela do Brasil. Falávamos baixinho para não importunar ninguém. Num determinado momento, o argentino se virou para nós e bradou, irado: “Shut up!!!”. O sujeito foi tão agressivo e antipático que ficamos sem reação. Nos dias seguintes, encontrei-o algumas vezes no desjejum. Trocávamos olhares fulminantes. Confesso que tive vontade de dar-lhe, no mínimo, uns petelecos. No máximo defenestrá-lo depois de uma deliciosa esganadura. Eita portenho folgado e antipático!

Eu fora auditar o trabalho de um argentino que dizia fazer coisas ultra-sofisticadas com o sistema. Sabe como é que é, dizem que os argentinos “se acham” e costumam ser um pouquinhos exagerados em sua auto-estima. Certa vez fui ao Parque de la Costa, na belíssima província de Tigre, com a indicação de que era o maior parque de diversões da América Latina: pelos meus cálculos, ele era menor que o Playcenter, um tradicional parque de diversões de São Paulo. Apesar de preparado para ver bem menos do que o argentino com potencial de eu sou o máximo dizia do seu trabalho, analisei tudo o que ele havia criado no sistema e não é que o rapaz arrebentava mesmo, sem falar que era gente fina toda vida e mais seis meses? Eita argentino buena onda!

Na volta ao Brasil, minha companheira de viagem era uma brasileira que vivera na Austrália durante dois anos. Havia ido para estudar. Ia de retorno a Curitiba, com escala em Buenos Aires e Guarulhos, para visitar seus pais antes de viajar ao Canadá para viver com um viajante que ela conhecera na Austrália. Eles se conheceram quando o rapaz estava viajando o mundo com sua ex-namorada colombiana; eles haviam saído do Canadá namorados e romperam o namoro durante a viagem. Apesar de não mais namorarem, por questões econômicas eles dividiam o apartamento na etapa australiana do périplo. Ela me contou, dentre outros detalhes emocionantes, as circunstâncias inesperadas em que eles se conheceram num jogo de boliche, foram ao seu apartamento, fizeram amor na mesma noite e se tornaram namorados. Um amigo, escoladíssimo nas coisas da vida (e das mulheres) me disse que ela estava “dando bandeira”, já que, segundo ele, não é normal uma garota contar a um desconhecido que... bem... fez aquilo na primeira noite que conheceu alguém, ainda mais seu namorado. Eu, um poço de ingenuidade, estou convencido de que meu amigo se equivocou. E, quanto à colombiana, ex-namorada do australiano, como era de se esperar, rodou a baiana quando soube que seu ex havia se engraçado com uma bela brasileira (a paranaense até que era bonitinha e sardenta, a danada). Eita mulherada difícil!

Quando começamos a sobrevoar Sampa, trocamos de assento para que ela pudesse, a partir da janela, rever sua terra natal. Ela não conseguiu segurar as lágrimas e chorou um bocado! Eita país desgracento e amado que nos enternece o coração!

No aeroporto, sua mala se extraviou, sem falar que ela não sabia como fazer para voar para Curitiba, já que não tinha reservado o voo. Muito cavalheiresco, apesar do cansaço e da vontade de ir para casa, dei-lhe todo suporte necessário para falar com o pessoal sobre o extravio da mala e ainda lhe passei as informações sobre a escala, que eu mesmo fora me informar. Eita rapaz cavalheiro quando se trata de fazer uma média com uma bela garota!

Alguns dias mais tarde, troquei emails com ela que já tinha sua viagem marcada para o Canadá com seu noivo, que também estava no Brasil para conhecer sua família. E quanto à mala extraviada, tudo acabou dando certo. Que sejam felizes sempre, amém.

Conclusão: o melhor das viagens a trabalho não é o trabalho, mas as pessoas que se conhecem.

Um comentário:

  1. Ahhh, muito maravilhoso! Queria estar enfurnada na sua bagagem para ver esses acontecimentos!
    Valeu a pena esperar pelo texto...
    É.... PRÓXIMO!

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