O
país que eu mais viajei foi a Colômbia. Foram mais de vinte viagens num total
de mais de 380 dias de estada naquele país. Eu viajava tanto que me tornei
conhecido dos funcionários do aeroporto de Bogotá. Sem falar que, por duas
vezes, implicaram comigo na alfândega, afinal, o que eu tanto fazia na
Colômbia, se não tinha visto de trabalho? Depois da segunda implicação, falei
para as empresas que me contratavam que, sem visto de trabalho, eu não iria
mais. Foi assim que passei a viajar para a Colômbia com vistos de trabalho.
Tantas
passagens pelo aeroporto, no mínimo umas 40, devem ter rendido algumas
histórias. E, de fato, renderam. Não só as passagens nos aeroportos, mas as
viagens em si. Lembro-me uma vez, por exemplo, que embarquei em São Paulo de
sandália e bermudas (fazia mais de 35 graus e eu já tinha perdido a cerimônia
de viajar de avião – chega um momento, em tantas viagens seguidas, que o
cidadão não quer saber mais do ritual). Relapso, como sempre, não me ocorreu verificar
antes como estava o tempo em Bogotá. Quando desembarquei no aeroporto, eu era o
único extraterrestre recém-chegado de Mercúrio. Enquanto todos estavam abrigadíssimos
em seus casacos de pele, eu tive que penar quase 1 hora tiritando de frio.
Encontrar
com pessoas famosas também é algo que já me aconteceu algumas vezes. Numa das
ocasiões, eu estava na fila de check-in com minha amiga Alejandra, que sempre
me acompanhava ao aeroporto, e lhe contei, impressionado, sobre a beleza
estonteando de uma moça um pouco mais à nossa frente. Ela concordou e me disse
que a conhecia não se recordava de onde. Minutos depois ela se lembrou: “Ah, é
a Natalia Paris!” Realmente, aquela mulher é de outro mundo. Aliás, as mais
belas modelos colombianas são todas deslumbrantes. Da primeira vez que pisei em
solo colombiano, as colombianas me pareciam feias, até mesmo as artistas de
novela. Entretanto, depois que me acostumei com o biótipo da mulher colombiana,
descobri sua beleza. A mulher colombiana é realmente bonita, não tanto a
justificar o que pensam alguns colombianos chauvinistas, que afirmam ser a
mulher colombiana a mais bonita das Américas. Mas, na média, são muito bonitas.
Eu trabalhei durante um tempo com o pessoal de um escritório de uma empresa
química em Bogotá e era impressionante a quantidade de mulheres lindas. Mesmo sabendo
que a incidência de beleza nas camadas mais altas da sociedade é maior (dizem
por aí que não existe mulher feia; o que existe é mulher pobre), era evidente
que a beleza era um dos itens de grande peso na contratação. Apesar do colírio
para meus olhos que aquelas mulheres representavam, acho que as feias deveriam
fazer um protesto, afinal, aquilo me parecia beirar a discriminação.
Voltando
ao aeroporto de Bogotá, engraçado mesmo foi em outra ocasião. Estávamos
conversando pelo hall principal do aeroporto e, de repente, a Alejandra teve um
repentino surto de tiete descontrolada: “O Rincón! O Rincón!” Lá estava, o
negrão de quase 2 metros de altura, à nossa frente. “Obadias, tira uma foto com
ele! Eu amo o Rincón!” Que mico! Eu fiquei meio sem ação, pelo inesperado da
situação e, naquele instante, não me ocorreu idéia melhor: aproximei-me do
Rincón com a Alejandra e ela, descontrolada, pediu para ele tirar uma foto
comigo; o cara – super simpático – posou do meu lado e tiramos a foto. O
gigante e o rato. Ficou uma foto engraçada. Só muito depois que eu me lembrei
que a segunda coisa a fazer era pedir para a Alejandra se postar ao lado dele e
eu tirar uma foto também, para sua feliz recordação de tiete. Só que não me
ocorreu. Da próxima vez que me encontrei com Alejandra, pedi-lhe desculpas por
não ter pensado aquilo naquele momento tão inesperado. E ela, uma tão adorável
colombiana, estava mais preocupada comigo e com a recordação que eu poderia
exibir aos meus amigos, algo que eu nunca fiz (que ela não saiba disso). Ela
sorriu e disse que tudo bem: só o fato de eu ter tirado a foto com ele já tinha
valido a pena.
Numa
outra ocasião, quando ia para Bogotá, me chamou a atenção a forma apaixonada
que um casal de pombinhos se comportava no avião. Pareciam em lua de mel. Ele
não parecia tão colombiano, mas ela era uma autêntica colombiana. Fiquei toda a
viagem ocasionalmente observando-os de soslaio, afinal o amor em sua forma mais
apaixonada é algo bonito de se ver. É inspirador. Eu acredito que até um sorriso
se esboçava nos meus lábios quando os observava. O amor é lindo! Quando
descemos do avião, por algum momento me esqueci do casal de pombos apaixonados.
Lembrei-me deles quando vi a colombiana sozinha na fila (as filas na alfândega
de Bogotá são lentas e irritantes) e o rapaz em outra fila, bem mais à frente.
Achei estranho, mas acreditei que somente um motivo muito forte e premente
teria separado aquele tão apaixonado casal, quiçá, recém-casados. Relaxei. Por
acaso, quando me dirigia ao estacionamento (provavelmente, naquela viagem, o
chofer já havia dito que me esperaria no estacionamento), encontrei a pombinha
sendo alegremente esperada por suas duas filhas pequenas e seu marido, que lhe
deu um beijo típico daqueles homens saudosos quando reencontram suas amadas.
Algumas viagens depois, quando tive que passar no consulado brasileiro em
Bogotá, para que eles autenticassem uma assinatura minha, descobri que o Ricardão
trabalhava lá.
Outra
vez, tinha uma viagem marcada para uma segunda-feira de manhã. Normalmente eu
viajava aos sábados no final da tarde, pela Varig. Mas naquele fim de semana
tínhamos uma conferência missionária em nossa igreja e, dentre as atrações
internacionais, estava o missionário radicado em Cúcuta, Colômbia, e grande
pregador brasileiro, pastor José Sartirio dos Santos. Como eu não podia viajar durante
o fim de semana, afinal eu liderava a parte musical do evento, o primeiro voo
disponível era o da segunda de manhã, pela Avianca. Quem se senta do meu lado?
O Sartirio em pessoa. Muita coincidência. Não havíamos nos falado durante a
conferência mesmo porque era um mega evento e ele só me viu porque eu liderava
a música e regia o coral. Do contrário, ele provavelmente nem desconfiaria que
eu estivera presente no evento. Conversamos um pouco e eu fiquei meio ansioso,
meio desconfortável, afinal queria proporcionar-lhe uma boa viagem, mas não
sabia exatamente o que ele gostaria de conversar. Depois de explicar o que eu
fazia e mais algumas amenidades, o meu repertório de assunto preparado para um
momento tão inusitado se esgotou. E, bingo!, acho que ele era tão tímido quanto
eu diante de um desconhecido, porque não se animou muito a esticar mais a
conversa (ou então Deus lhe revelou que eu era um infeliz caso perdido e ele
nem se animou a esticar o assunto). Fomos quase calados até o fim da viagem e o
saldo do encontro foi um gentil convite que ele me fez para visitar Cúcuta
assim que possível, intento que eu mantive durante algumas viagens a Bogotá,
mas que, algum tempo depois, desisti. Foi uma viagem agradável, apesar do quase
silêncio, o que me fez me lembrar de outra ocasião em que viajei com outro
pastor, dessa vez um adventista. O sujeito era bastante falante. Na hora da
comida emendou uma oração (o que o pastor Sartirio, discreto, não fez),
evangelizou a aeromoça que nos atendia (mais um pouco e ele faria o apelo) e me
proporcionou uma das melhores viagens que já tive, com sua conversa muito bem
articulada e suas repostas enriquecedoras sobre minhas questões a respeito do
adventismo.
Mas
o encontro mais inusitado mesmo foi uma vez quando eu voltava da Colômbia. Mais
especificamente, quando esperava o voo numa das salas de espera, juntamente com
os demais passageiros. Eu, de minha parte, deveria estar lendo algum livro. Foi
quando, por um momento, o tempo parou. Chegou chegando, do jeito que só elas
sabem fazer, uma morena de fechar o aeroporto (porque o comércio ela já deveria
ter fechado quando da sua passagem por lá). Era uma coroa e se vestia sem
exageros. Ocorre que ela era um exagero de beleza. E ainda tinha olhos verdes.
Nem precisa dizer que os radares masculinos da sala começaram e fervilhar –
alguns travaram. E eu, naturalmente, como também sou filho de Deus e não sou de
ferro, quando dei por mim, já estava com a leitura do livro interrompida e com
um “uau!” preso na garganta. A mulher era um espetáculo. Curioso como certas mulheres ficam mais belas
à medida que amadurecem!; deveria ser o caso dela, uma desconhecida quase Luíza
Brunet[1].
Bem, depois que a comunidade masculina se acalmou e os ponteiros dos relógios
se recuperaram, o tempo voltou a se mover.
E
como o tempo se move, algum tempo depois eu estava sentado na poltrona do lado
da janela, a poltrona do meu lado vazia. Por pouco tempo. Adivinha quem se
senta ao meu lado? Pois é, a vida é irônica mesmo. Em carne e osso, em três
dimensões (e que dimensões), toda perfumada, a deusa. Entrei em pânico, uma vez
que sou caliginefóbico. E agora? Fiquei acuado, músculos retesados, esperando
para ver no que aquilo ia dar. Ela me perguntou qualquer coisa e eu lhe
respondi qualquer coisa também. Naquela altura do torneio, eu faria o que ela
quisesse, me fingiria de morto, o escambal. E não é que a coroa era simpática?
Tentou arriscar um português e saiu um portunhol macarrônico. Até então eu
nunca tinha percebido como uma colombiana ficava bonita tentando falar
português. Escorrega daqui, escorrega dali, a revelação: ela era carioca. Carioca???
Quase não resisti e por pouco não lhe passei uma suprema e assanhada
descompostura para os meus padrões: “bonita assim, tinha que ser carioca!”[2].
Ela
então me explicou que – não me lembro bem como – conheceu seu marido advogado
colombiano no Rio de Janeiro, depois se mudaram para Manaus e, por fim, ele
voltou para a Colômbia onde se radicaram. Já estava na Colômbia havia uns 15
anos e, pela primeira vez, estava retornando ao Rio de Janeiro para rever sua
família, daí sua dificuldade com o português, que ela iria aproveitar e treinar
comigo. Lá pelas tantas, não me lembro como, descobriu que eu sou cristão
evangélico. Foi quando ela se entusiasmou de vez. Explicou-me que seu marido
era pastor e ela pastora. Durante os dias que antecederam a viagem ela orara a
Deus pedindo muito que, no voo, tivesse a companhia de outro evangélico, algo
que ela, inclusive, havia dito à sua congregação. Via em mim, portanto, a
resposta das suas orações (eu estava podendo, hein?). O fato é que essa foi,
provavelmente, a única viagem de retorno que não preguei os olhos. A simpática
e lindíssima carioca falava pelos cotovelos. Conversamos e rimos bastante. Foi
uma viagem memorável.
Por
falar em rir bastante, numa outra viagem, sentou-se ao meu lado uma garota
muito simpática. Provavelmente também estávamos voltando de Bogotá. Superada
minha timidez inicial – porque a garota provavelmente puxou conversa –
engatamos um bate-papo para lá de animado. E a garota falava, hein? Éramos dois
tagarelas, conversando e rindo muito. Depois do jantar, eu lhe sugeri que
dormíssemos um pouco, o que ela concordou. Nos voos da Varig, a manta de dormir
geralmente ficava embaixo da poltrona, dentro de um saco plástico. Ela se
abaixou e pegou sua manta. Eu fiz o mesmo, mas não encontrei o saquinho.
Encontrei apenas a manta que parecia não estar muito bem dobrada. Ao tentar
tirá-la, percebi que ela estava enroscada. Tentei com um leve puxão e não
consegui. Olhei para a garota, demonstrando com minha fisionomia que algo não
estava bem com a manta e, após alguns puxões, a manta saiu. Toda desdobrada, o
que me fez crer que ela estava tão enroscada que se desdobrou na minha
tentativa de desenroscá-la. Quase imediatamente depois de eu mostrar a garota o
meu troféu, a manta toda desdobrada, o passageiro do banco de trás me dá uns
tapinhas no ombro e me diz, com certa irritação na voz: “Essa manta é minha!” A
garota teve um acesso de riso tão forte que eu achei que não iria parar mais;
eu, particularmente, cheguei às lágrimas. Um pouco demais, já controlados,
fomos dormir.
Já
que estou falando de aeroporto, lembro-me de outro episódio que representou um
périplo por três países, fora o Brasil. Estava trabalhando num projeto em uma
petroleira em Caracas e viajava com bastante freqüência. Na época, a internet
não estava tão avançada, e os viajantes tinham que sacar um documento chamado
PTA quando a reserva era feita à distância. Eu tinha uma viagem marcada para o
retorno a Caracas e o pessoal demorou muito para enviar o PTA. Depois de minha
insistência para que não perdêssemos a data do embarque, eles mandaram o número
do PTA. Faltavam alguns dias para o embarque. Dirigi-me a uma agência da Varig,
na Av. Paulista, em São Paulo-SP, saquei o bilhete e, dias mais tarde, quando
fazia o check-in, a moça do balcão colocou uma fita na minha bagagem de mão que
dizia “First Class” e me convidou para ir à sala VIP. Aquilo me pareceu
estranho, mas, para não pagar mico, agi como se fosse a coisa mais natural do
mundo. Quando peguei o bilhete de volta, dei uma olhada no preço da passagem.
1.900 dólares! Caramba, a passagem costumava sair por menos de 900 dólares! Ficou
claro o que havia acontecido: na desorganização do pessoal de Caracas, eles
acabaram perdendo o prazo para conseguir me encaixar numa classe econômica.
Para não ter que rever as agendas, como essas empresas nadam em dinheiro,
reservaram uma passagem na primeira classe. Ótimo. Saí ganhando. Teria dois
trechos voados em primeira classe. Era só aproveitar.
Logo
ao entrar no voo, uma aeromoça veio com uma carta de vinhos. Escolhi um vinho
que me pareceu interessante e fui bebericando. Depois vieram as comodidades de
sempre (para aqueles que viajam de primeira classe, obviamente). A poltrona era
muito confortável, havia quase que uma mesa para almoçar, o espaço para cada
passageiro era enorme. Quase todos os passageiros pareciam executivos, com a
exceção de um adolescente sentado um pouco próximo a mim que tinha um olhar
tipo eu-sou-o-dono-do-mundo, provavelmente filho babaca mimado de algum
industrial. Durante praticamente toda a viagem uma aeromoça ficou próxima a mim
e até engatou uma conversa de teor pessoal: “Você mora em Florianópolis?” “Não,
essa camiseta a comprei quando passei uma temporada de férias lá”. Senti-me até
um pouco importante por conta do tratamento VIP que a aeromoça me dispensou.
Tive até a impressão que ela foi mais atenciosa comigo que com os outros
passageiros que ela atendeu (eu estava podendo, hein?).
Já
em Caracas, precisei dar uma passadinha em Barranquilla, Colômbia, para atender
a uma necessidade de última hora em uma empresa química onde eu estava tocando
outro projeto. Portanto, em vez de voltar direto para São Paulo, tive que mudar
meu trajeto. Peguei um voo direto a Barranquilla, que sai de Caracas, e fui
resolver o problema. Alguns dias mais tarde seria meu aniversário e eu tentei
resolver logo tudo para estar em Santo André no meu aniversário. No fim das
contas, saí de Barranquilla no dia 17 de abril, véspera do meu aniversário, num
trajeto Barranquilla-Bogotá-Lima-São Paulo. Minha esperança era que, em Lima, o
trajeto mais longo, eu desfrutasse do conforto da primeira classe novamente, já
que tinha desmarcado o voo de volta pela Varig que, pelos meus cálculos, teria
as delícias da primeira classe novamente. Cheguei a Lima na madrugada do dia
18. Depois de umas 3 horas de espera, embarquei no avião. Como alegria de pobre
dura pouco, vi minha chance do conforto da primeira classe voar rapidamente tão
logo embarquei no avião: era um caquético avião da Aeroperu. Por sorte, me
reservaram a primeira classe, cujo conforto era um pouco melhor que a classe
econômica da Varig. E ainda tive que aturar um executivo irritado que sentou ao
meu lado, por problemas no voo, que falava cobras e lagartos da Aeroperu,
inclusive um suposto episódio de um voo que, segundo ele, teria sido uma zona
total: até a aeromoça teria transado com alguém (um passageiro ou um
tripulante, não me lembro). Como eu não estava encarando o cidadão, não pude
perceber se o seu nariz crescia enquanto ele despejava sua irritação em cima de
mim. Pobre é uma desgraça, não é mesmo? O pão sempre cai com a parte da manteiga
(aliás, margarina)[3]
virada para baixo. Sem falar que durei exatas 23 horas do momento em que saí do
escritório em Barranquilla até chegar à minha casa.
Meses
mais tarde, num outro voo da Varig, do Brasil para algum país, vi por acaso
aquela simpática aeromoça que havia sido tão gentil comigo no voo de primeira
classe. Ela até me olhou, muito rapidamente, instante que eu pensei em esboçar
um sorriso do tipo lembra-de-mim? Mas aí eu me lembrei que, daquela vez, eu
estava na classe econômica. Nem que ela se lembrasse de mim, o que seria
virtualmente impossível, naquela seção do avião eu não passaria de uma
estatística.
E,
por falar em voo do Brasil para algum país, semanas depois do meu retorno
daquela viagem em que conheci a bela carioca, eu tive que voltar à Colômbia. No
voo de ida, aconteceu algo inusitado. Já dentro do avião, esperando o resto dos
passageiros se acomodarem, dou uma olhada à minha volta (eu estava na fila
esquerda, do lado do corredor) e, quem eu avisto umas três poltronas atrás, na
fila do meio? Acertou, caro leitor! Ela mesmo, a quase Luíza Brunet, se você me
permite, aquela que havia se sentado ao meu lado no voo de Bogotá para São
Paulo, alguns parágrafos acima. Não acreditei! E não é que os contatos da
senhora com o pessoal lá de cima, lá do alto, eram fortíssimos, de colocar
qualquer Daniel Dantas no chinelo[4]? Ela
também mal podia acreditar. Qual seria a chance de isso
acontecer? Esperamos todo mundo se acomodar e, como a poltrona do meu lado
ficou vazia (que coisa, não?, estou ficando arrepiado – e com um pouquinho de
medo, confesso), ela mudou de lugar, e voltamos para Bogotá numa animada
conversa, em que ela, dentre outras coisas, falou de sua estada no Brasil.
Já
no aeroporto de Bogotá, ficamos juntos todo o trajeto e, na saída, estava o
marido, vários irmãos de sua igreja, o cachorro, o papagaio, uma banda de
música! Definitivamente, a simpática carioca era muito benquista. “Esse é o
irmão do voo do qual lhe falei!” O marido ficou meio sem entender, afinal ela
tinha se encontrado comigo na ida e não na vinda. Ela então explicou a
coincidência da volta. O marido também era uma pessoa extremamente simpática.
Deu-me um cartão com os dados de ambos, endereço e tudo o mais, e me convidou
para fazer uma visita à sua comunidade, em Villavicencio. Despedi-me de todo
aquele pessoal tão simpático e fui para o hotel. Eu até pensei em visitá-los,
mas como Villavicencio fica tão perto de Bogotá que não dá para ir de avião, o
pessoal da petroleira me proibiu de fazer o passeio, pois a chance de eu ser
parado na estrada por uma “batida” da guerrilha, o que era muito comum, era
grande. E se eles soubessem que eu era estrangeiro, era quase certo que eu
seria raptado.
Aliás,
por falar em guerrilha, eu estava em Bogotá quando Ingrid Betancourt foi
raptada pelas Farc. Também estava quando a princesa Diana morreu. Também estava
quando o prefeito Celso Daniel, de Santo André, minha cidade, foi assassinado.
Ainda bem que eu não estava em Bogotá (estava em Santo André) quando o Vítor –
meu primogênito – nasceu, mas que teve alguma dificuldade para se adaptar
comigo nos primeiros meses de vida porque, a cada retorno de uma viagem, eu
tinha que fazê-lo se lembrar que aquele estranho era alguém muito próximo a ele.
E
por falar em Ingrid, aí vai mais um “causo”. Num desses voos de Barranquilla
para Bogotá, houve um problema em Bogotá, o voo inverteu da sua rota e fez uma
escala em Medellín, antes de Bogotá. Coincidiu que, ao meu lado, sentara-se uma
bela colombiana típica: bonita e com uma tonelada de maquiagem. Era muito
simpática a moça. Na conversa ela me disse ser dona de uma fábrica de móveis,
que ia a Bogotá a cada 15 dias para lazer e descreveu alguns detalhes – não me
lembro agora – que sugeriam uma vida um tanto regalada. A mulher, de fato,
sabia viver bem. E, já que o voo tinha desviado para Medellín, tivemos tempo
para jogar muita conversa fora e ainda tirar umas fotos. Ela estranhou o fato
do avião ter mudado sua rota, coisa que para ela era incomum, afinal os voos
daquela rota eram muito regulares e pontuais. No fim, ela me deu um cartão com
seus dados e me pediu para ligar quando estivesse de volta à Colômbia.
Alguns
meses mais tarde, de volta a Barranquilla, hospedado no magnífico El Prado[5],
que me disseram ser de propriedade de narcotraficantes, estava com tempo livre
e resolvi dar uma ligada para ela, afinal, poderíamos marcar um encontro para
jogarmos mais conversa fora. Ao atender, bastante animada, ela me disse que
estava com o noivo, mas, de imediato, marcamos um almoço para alguns dias mais
tarde. Ótimo. Alguns dias mais tarde, quando declinei do convite que minhas
colegas colombianas de projeto me fizeram para almoçar, a pretexto de ir
almoçar com Ingrid (a do avião, é claro, já que não tenho amigos tão
importantes como a Betancourt), elas me olharam como quem diz: “o que você vai
aprontar?” “Calma, meninas, eu só vou almoçar com a Ingrid e seu noivo!”
Chegando ao endereço indicado, notei que era uma casa que chegava a ser
modesta. Esperavam-me para o almoço Ingrid, seu noivo (não sei se viviam juntos
ou não) e seu filho de oito anos, com uniforme da escola, pronto para ir
estudar tão logo terminasse de almoçar.
Tivemos
um agradável almoço onde eles me contaram um pouco da cidade, da vida deles
(não me lembro dos detalhes) e, quando lhe perguntei da fábrica de móveis, ela
me disse que saíra de lá, daquele emprego em que ela era gerente, e estava à
procura de outro. Pensei com os meus botões: “Gerente? Tive a impressão que ela
havia me dito que era dona...” E a vida social e de lazer intensa? Onde fora
parar? Na realidade, sem toda aquela maquiagem, ela até parecia uma pessoal bem
mais comum. Seu noivo, inclusive, era parecido a um típico barranquillero, gente simples. Estranho...
Bem,
não importava. Importa mesmo é que eles foram extremamente amáveis (como esse
pessoal colombiano é simpático!) e me convidaram a acompanhá-los enquanto
levavam o filho de Ingrid à escola, o que eu fiz de muito bom grado, no
automóvel do noivo de Ingrid, um veículo bem apropriado para alguém de uma vida
um pouco mais modesta. Em seguida, me levaram a um tour pela cidade e, embora eu já a conhecesse, eles enriqueceram
ainda mais o meu conhecimento a respeito dela. Foram momentos muito agradáveis.
Alguns
dias mais tarde, comentando o episódio a uma amiga do projeto, bastante
acostumada a viagens entre Bogotá e Barranquilla, uma vez que ela vive em
Bogotá, ela não confirmou aquela história que Ingrid havia-me contato a
respeito dos voos. Segundo ela, aquela rota costumava atrasar e não era difícil
eles inverterem o trajeto Barranquilla-Bogotá-Medellín para
Barranquilla-Medellín-Bogotá por conta do tráfego aéreo em Bogotá que sempre
foi muito intenso.
No
final das contas, cheguei a um acordo com os meus botões: Ingrid era, de fato,
uma simpatia em pessoa. Entretanto, para impressionar a outrem, como o ser
humano é capaz de mentir, não é mesmo?
Para
finalizar esse extenso texto, vamos à última história. Há alguns anos atrás,
quando fazia um dos cursos de harmonia com o Cláudio Leal, quando descia a pé a
Rua Traipú, no bairro Pacaembú em São Paulo-SP, notei que uma pessoa de grande
estatura subia a rua em sentido contrário. Eu conheço muita gente e sou
conhecido de outro tanto. Portanto, é bastante comum eu me encontrar com uma
pessoa, bater o maior papo e me despedir sem ter a menor idéia de quem se
trata, pela vergonha de admiti-lo. Mas, sempre que possível, faço um grande
esforço para me lembrar da pessoa. Naquele fim de tarde, descendo a rua,
pressenti que algo desse tipo poderia acontecer. Eu conheço esse negão!
Naqueles poucos segundos em que nos aproximamos, tratei de me esforçar para
conseguir me lembrar de quem seria aquela pessoa. Trabalho, igreja, conhecidos,
ladrões, vizinhos, uma série de imagens vinham à minha mente, mas eu não
conseguia me lembrar. Foi quando nos cruzamos, eu acredito que olhei para ele
com aquela cara eu-te-conheço-mas-não-me-lembro-de-onde, ele me olhou, deu um
sorriso, cumprimentou-me e eu devolvi o cumprimento também sorridente. É isso,
eu conheço esse cara, mas não me lembro de onde! Tanto que ele se lembrou de
mim também. Será que é algum porteiro de alguns desses prédios luxuosos da
região, já que eu sempre passo por aqui e não estou me lembrando? Se bem que
ele estava muito bem vestido para ser um porteiro. Tive ímpetos de olhar para
trás, mas não o fiz. E se o cara também olha e me vejo obrigado a parar e
engatar uma conversa, novamente com uma pessoa que não consigo me lembrar? Mas,
bastaram uns três passos mais e me lembrei: “Caramba, é o Rincón[6]!”
Qual a chance disso acontecer?
[1]
Ok, caro leitor, concordo que eu forcei na comparação; mesmo porque a Luíza
Brunet não tem olhos verdes, tem?
[2]
Parece que Gabriel García Márquez também já teve seus momentos idílicos ao lado
de uma bela. Ele contou isso com muito mais classe que eu, é claro, no seu
conto “El avión de la bella durmiente”
[3]
Pobre não tem dinheiro para comprar manteiga, a versão original do ditado.
[4]
Já que a relação que eu fiz deve ter sido obtusa, deixa-me explicar. Para quem
se lembra, Daniel Dantas, um genial banqueiro, tido como alguns como modelo de
empresário agressivo e bem-sucedido e por outros como gângster, foi preso duas
vezes na mesma semana e libertado imediatamente – nas duas vezes – pela impetração
de habeas corpus, em julho de 2008. A
questão é que a sua liberdade sempre foi muito rápida, concedida pelo Ministro
do STF, Gilmar Mendes. Muito curioso que um assessor de Daniel Dantas ter supostamente
tentado subornar um policial da PF alegando que a preocupação era com a
primeira instância porque, em Brasília, Daniel Dantas se garantiria.
Fortíssimas as ligações desse senhor com os gângsteres da ocasião no poder, no
caso o PT, não? Mas nada comparadas às fortíssimas ligações – nesse caso com a
turma do bem – de nossa heroína.
[6]
Caro leitor, aquela de pensar que o cara era porteiro só porque era negão não
aconteceu; foi apenas uma brincadeira para deixar o texto mais interessante,
afinal o racismo politicamente incorreto chega a ser engraçado, se não levado a
sério, porque aí perderia toda a graça.