domingo, 22 de setembro de 2019

Merda

Ainda estava bastante irritado ao desembarcar do metrô. Tinha resolvido entregar o trabalho escolar e voltar imediatamente para casa. Estava com muita raiva do universo e sua mania de foder com sua vida sempre que tinha oportunidade. Porque o celular ficar preso dentro do escritório só poderia ser conspiração do universo contra ele. Trabalhara até tarde, tinha sido o último a sair do escritório e a porta só abria sem chave pelo lado de dentro. Apressado para ir embora porque estava atrasado para a aula, saíra voando e só se lembrara do celular quando já estava do lado de fora, a porta trancada.
Ele ficava extremamente irritado quando tentava contatar alguém via celular e não conseguia. Certamente a infeliz pessoa tinha deixado o celular em algum lugar inacessível. Para que ter um celular se nunca atende quando ele está tocando?
Sua bile estava em franco diálogo com as pessoas que utilizam mal seus aparelhos celulares como se elas fossem culpadas de ele estar desprovido do seu naquele momento. Ele queria mais é que ligassem para ele somente para passarem a raiva de ele não atender. A ideia de passar raiva sozinho só aumentava seu ódio. Imaginar que outras pessoas também passariam raiva era uma espécie de conforto em relação à frustração de ter deixado o celular preso dentro do escritório.
Pensando bem, deveria esticar sua estada na rua e chegar em casa o mais tarde que conseguisse somente para que as pessoas ficassem sem saber dele o maior tempo possível. Seria uma ótima vingança. Mas, aí se lembrara de sua mãe. Já pensou se começam a mandar mensagens para ela perguntando por ele? Não! Melhor voltar para casa o quanto antes. A última coisa que ele queria era deixar sua mãe preocupada. Ela já tinha preocupações demais. Por isso era melhor entregar o trabalho e voltar para casa imediatamente.
Que merda! Qualquer alternativa era ruim. Vingar-se da humanidade poderia causar efeito indesejável na sua mãe. Voltar para casa mais cedo demonstraria sua incapacidade de se vingar do universo. Tudo por causa de uma merda de porta que não abre por fora a não ser que se tenha uma chave. Por que ele não tinha a porra da chave do escritório? Bem, ele teria que assumir a responsabilidade implicada nisso. Também não era uma boa ideia. Merda.
Ainda ruminando sua fúria e o pensamento circular a respeito das causas e efeitos implicados no seu estúpido esquecimento, desembarcou do metrô e, caminhando em ritmo de marcha, dirigiu-se à escola.
No meio do caminho havia uma praça. Uma merda de praça cheia de mendigos, cheiro de xixi, bosta e pedintes. Certamente passar pela praça prendendo a respiração nos trechos mais fétidos o irritaria ainda mais. A opção seria escolher outro caminho, mais longo. De novo o universo a lhe sacanear. Não iria dar esse gostinho ao universo de ter que se ferrar mais ainda em um caminho mais longo. Emputecido, cruzou a praça.
Enquanto cruzava, evitou olhar os mendigos deitados, ignorou as pessoas. Queria muito acidentalmente pisar em alguém deitado no meio do caminho somente para descontar sua raiva. Pisaria com vontade. Mas não teve coragem de provocar esse acidente porque, para isso, teria que deixar de andar cabisbaixo e olhar para a frente. Andar cabisbaixo lhe dava uma visão perfeita de onde estava caminhando e não haveria a menor possibilidade de tropeçar violentamente em alguém. Andar olhando para a frente lhe obrigaria a perceber as pessoas e eventualmente trocar de olhar com elas. Estava tão enfurecido que a ideia de olhar para outras pessoas era um dos piores castigos naquele momento. Portanto, cabisbaixo! Nem que renunciasse ao mórbido prazer de pisar com vontade em um mendigo.
Um garoto se aproximou pedindo esmola. Subiu-lhe uma gastura. Cedeu ao impulso de lhe dar um safanão e apenas meneou a cabeça violentamente enquanto olhava o solo.
Já quase no final da praça, ensimesmado com seus demônios, só se deu conta quando os marginais anunciaram o assalto. Discretamente um deles apontou a arma: celular, seu filho da puta! Assustado, repentinamente arrancado de seu pântano de cólera, não lhe ocorreu outra coisa a não ser dizer que não tinha. Tá de sacanagem? Quer morrer, filho puta? Eu não tenho mesmo. Então você vai morrer agora, seu viadinho!
A ideia de explicar onde estava o celular tangenciou sua mente, mas ele não se arriscou na explicação talvez por um misto de sensação da inutilidade da tentativa e o risco de irritar ainda mais os assaltantes que poderiam interpretar o fato como um esquecimento de propósito somente para frustrar o intento do assalto.
Entre xingamentos, ameaças e a morte se avizinhando de forma rápida e perigosa, os assaltantes tentaram salvar o assalto: cadê a grana?
Enfiou a mão no bolso e tirou tudo o que tinha, uma confusão de notas miúdas que não chegavam a 30 reais.
Irritadíssimo, o assaltante armado tomou o dinheiro de suas mãos e o ameaçou: Tá de sacanagem, maluco? Quer morrer? Cadê o dinheiro escondido! Só tenho essa grana, respondeu, humílimo. Revistaram-no, rapidamente e, frustrados, se deram conta que ele dizia a verdade. Era um desgraçado que nem dinheiro suficiente para um assalto tinha.
Isso elevou as ameaças de morte a um ponto de quase concretização e a morte era dada como certa. Me dá essa pasta, filho da puta do caralho!
Impressionante como, diante da morte, nossas preocupações são as mais imediatas possíveis. Era certo que ele morreria, mas naquele momento ele não conseguiu se lembrar da mãe que choraria até o túmulo a morte repentina e violenta do filho, não se lembrou da meia dúzia de assuntos pessoais pendentes e que deixaria algumas pessoas sem resposta, sequer se lembrou do futuro que jamais teria, um filho quem sabe, nem mesmo se lembrou da pilha de trabalho atrasado no escritório, o que lhe daria um fugaz prazer antes de desencarnar. Nada disso. A única preocupação que tomou seu cérebro foram as malditas laudas do trabalho que jamais entregaria alguns minutos mais tarde. E isso lhe pareceu, por um instante, mais importante que a própria vida que estava por um fio.
Por favor, eu tenho um trabalho nessa pasta e preciso entregar daqui a pouco!
Aquilo era irracional. Que diferença faria a bosta de um trabalho que ele nem quisera fazer? Parece que os bandidos concordavam com a irracionalidade da coisa porque o armado engatilhou o revólver, apontou para sua cabeça e lhe deu a sentença de morte num tom de voz que congelaria o sangue nas veias do mais intrépido cidadão.
Segundos antes de morrer, preso numa angústia quase catatônica, os pés fincados no solo, imobilizados por toneladas de pavor, ele conseguiu emitir a súplica final, que era uma tremenda estupidez, insistência no motivo que irritara ainda mais os assaltantes: por favor, preciso entregar esse trabalho...

Uma fração de segundos antes de que seus miolos se espalhassem pela praça, o outro assaltante, até então mero coadjuvante, diz para seu comparsa: deixa quieto, irmão; vamos nessa.
Pego assim de surpresa, o assaltante armado desarmou-se e, numa atitude surpreendente, devolveu-lhe o dinheiro, antes de a dupla desaparecer na quase penumbra da praça.
Toneladas de peso a menos nos pés, durou um instante estático, tentando assimilar o acontecido, até que seu cérebro se organizou novamente e reassumiu o controle. Demorou alguns instantes para se reorientar geograficamente e retomou a caminhada para seu curso noturno, não mais em marcha raivosa, mas num andamento reflexivo, deambulante.
Ia perdido em pensamentos esparsos, desorganizados, tentativas de reordenar seu fluxo de ideias, um garoto se aproximou pedindo esmola. Incontinenti, enfiou a mão no bolso da calça, puxou algumas notas amassadas e entregou-lhe. Nove reais. O garoto, surpreso com tamanha generosidade, nem se lembrou de agradecer, porque seu ímpeto imediato foi correr até seu irmão mais novo a mostrar-lhe sua sorte inesperada.
Seu cérebro ainda asfixiado por tamanha tensão, precisava de oxigenação. Em um misto de medo e alívio, inspirou profundamente aquele ar fétido, uma mescla de odores de fezes, urina, poluição, sangue, esperança, cagaço. Encheu bem os pulmões de ar porque, agora que o imprevisto do celular esquecido do outro lado da porta fechada já tinha sido lançado no mar do esquecimento, a noite lhe parecia bonita, havia até uma brisa soprando, uma vontade louca de aspirar toda a beleza da vida...

terça-feira, 17 de setembro de 2019

Astrologia e fé religiosa


Estava assistindo um documentário sobre astrologia e vi alguns aspectos bem interessantes.


A astrologia caiu no ostracismo aos poucos na medida em que a nascente astronomia passou a estudar os astros celestes de forma científica, não mística e, no início do século XX, a astrologia teve um súbito “revival” na Inglaterra, depois nos EUA e, por fim, tomou todo o mundo, culminando nos níveis de popularidade de hoje em dia.

Descobri que um tal de “efeito barnum” (ou falácia da validação pessoal) é usado para explicar a alta aceitação da astrologia, algo que sempre me pareceu óbvio demais e que sempre expus aos meus amigos entusiastas da astrologia: “as pessoas julgam exageradamente corretas as avaliações de suas personalidades que, supostamente, são feitas exclusivamente para elas mas que na verdade são vagas e genéricas o bastante para se aplicarem a uma grande quantidade de pessoas” (wikipedia). Para mim, não existe descrição melhor para esses perfis de astrologia. Eu sempre digo para meus amigos que tentam me convencer que meu perfil bate perfeitamente com o signo de áries que, de fato, bate, mas bate também em muitos aspectos com os outros signos; logo, a ilusão de que áries é perfeito para mim dependerá da minha crença nisso. E se eu acreditar muito, abracadabra!, a “mágica” acontece.

No documentário eles também diziam do efeito placebo que tais conselhos astrológicos causam. Outro aspecto óbvio, assim como ocorre com a fé: eu acredito tanto em algo que minha disposição muda em relação a esse algo. Não posso deixar de admitir que, se o que me diz a recomendação astrológica ou profecia religiosa é algo bom, saudável, então o efeito não será ruim. Muito pelo contrário, pode até me impedir de fazer alguma merda. Logo, se eu preciso de conselhos astrológicos para não boicotar minha vida, então é melhor que não tê-los.

Outro aspecto interessante que o documentário falou e que eu vejo muito é a explicação do enorme sucesso da astrologia nos EUA. Isso se deveria ao fato de que as pessoas naquele país estão se tornando cada vez menos religiosas, menos ligadas às religiões tradicionais. No entanto, elas continuam procurando algum tipo de espiritualidade e a crença na astrologia acaba preenchendo esse vácuo. É algo bem interessante que eu posso, de repente, utilizar como explicação para tantos amigos meus dantes religiosos e avessos à astrologia e que hoje, distantes de suas religiões de origem, cada dia mais se entusiasmam com a astrologia. Faz sentido pensar que a astrologia acaba fornecendo o misticismo que eles abandonaram parcialmente ao se afastarem da prática religiosa onde foram criados.

Então é isso: a astrologia acaba servindo como substituto místico às nossas crenças religiosas. Quando o crente começa a questionar certos dogmas que aprendeu durante toda a vida e já não se sente mais à vontade de fazer afirmações peremptórias defendendo tais dogmas, parte razoável do misticismo que ele cultiva é destruído. Talvez isso o leve a abraçar a astrologia caso ele necessite de uma boa dose de misticismo para dar sentido à sua vida, para se sentir especial, acolhido, o centro de alguma coisa. Talvez, no fundo, tudo o que desejamos é isso mesmo: sentirmo-nos especiais, o centro do universo. E se entramos em crise com nossa fé primeva, a astrologia acaba fornecendo o que ansiamos e, por isso, muitos de nós nos jogamos nos seus braços felizes e contentes. Porque é muito chato (e doloroso até) termos consciência da nossa insignificância no universo.

domingo, 15 de setembro de 2019

Política + alienação + comportamento de torcida = desastre

No posto de gasolina, conversando com o frentista amigo pobre de direita bolsomonion, ele resolveu dizer o que pensa da Nota Fiscal Eletrônica:
- Isso é coisa do PT!
- Como assim, coisa do PT?
Tergiversou e tentou melhorar.
- Não é só do PT. Esses caras ficam inventando essas coisas pra roubar a gente, pra acabar com a sonegação.
- Ah, então você acha que é bom que haja sonegação de impostos?
- Mas esses caras fazem isso pra tirar dinheiro da gente enquanto muita gente sonega imposto. Meu objetivo é não pagar imposto, nem no holerite.
Não sei como seria isso, mas me parece papinho de alienado que não faz a menor ideia para que servem impostos e se limitou a repetir feito papagaio de pirata algum meme liberalzinho que ele leu no whatsapp.
- Então você acha que pelo fato de haver gente sonegando bastante, em vez de melhorar os mecanismos contra sonegação, o melhor a se fazer é liberar a sonegação de vez?
- Não, tem que combater a sonegação.
Daí, dou um desconto pra ele.
- Mas você tem razão: enquanto o governo faz esses programas para tentar diminuir a sonegação, o grosso dela vem de empresas, principalmente as maiores, que simplesmente não pagam imposto, dão calote na cara dura, porque sabem que daqui a pouco o governo vai abrir um programa pra perdoar esses calotes, enquanto que nós, os pobres, pagamos impostos por bem ou por mal.
Ele parece animado por finalmente eu concordar com ele. Mas não terminei.
- Mas sabe qual o problema? O problema é que justamente esse pessoal que sonega o grosso do imposto é que fica buzinando na sua orelha “culpa do PT” e você, sem olhar o todo, cai feito patinho nessa conversa. No final das contas, você toma no rabo e ainda faz o jogo sujo dos que realmente estão sendo beneficiados porque eles lançam essa cortina de fumaça para desviar sua atenção do que realmente interessa pra você. Porque, na sua cabeça é bem simples, a culpa é do PT, mas o buraco na realidade é bem mais embaixo.
Olha, que cansativo, viu?
Mas essa visão simplista e alienada não é exclusividade do frentista do posto de gasolina. É generalizada. Uma tristeza.

sábado, 14 de setembro de 2019

Seja um pseudo-intelectual de merda


Estou assistindo a série Explicando na Netflix e em alguns episódios de questões científicas eles colocam algumas informações que fogem do senso comum e que, por algum motivo eu penso: ué, mas isso é óbvio! Como eu sei que é óbvio? Sei lá. Só sei que é assim.

Não é bem assim e isso tem a ver com outra questão abordada na série, inclusive: nossa memória. Obviamente que eu já li tanto livro bom, tanta informação boa e embasada que não me lembro mais de onde veio a grande maioria das ideias que me parecem óbvias e que muitas vezes se chocam com o senso comum. Ou seja, não sou um iluminado. Apenas uma pessoa que lê bastante. E lê coisas boas.

Nas minhas interações em redes sociais com amigos ou nem tão amigos assim, um tipo de xingamento que recebo de forma recorrente é o de “pseudo-intelectual”. Em vez de me ofender, eu me divirto à beça. Mas esse tipo de xingamento tem uma explicação. Quando meu interlocutor expõe uma explicação simplória de um determinado fenômeno, eu contesto e sugiro que a realidade pode ser mais complexa que sua leitura simplista, em vez de pensar seriamente no que estou propondo, meu interlocutor se ofende e só lhe resta devolver a ofensa: seu pseudo-intelectualzinho de merda!

Isso sugere outra coisa: arrogância do meu interlocutor, xingamento que eu recebo com bastante frequência também. Sim, ainda que a arrogância seja pedante, na medida em que o arrogante se julgue melhor, penso que se recusar a investigar o argumento do outro sugere uma crença tão grande na superioridade do seu argumento que só lhe resta desprezar o argumento alheio, considerado desprezível: isso é arrogância. E nada melhor do que desprezar insultando: quem você pensa que é? Se julga um intelectual? Você é um nada, não passa de um pseudo-intelectual.

Ou então a reação pode significar outra coisa: sentimento de inferioridade. Na incapacidade de refutar o pensamento diferente e na sensação de que isso o torna inferior, só resta ao interlocutor ofender o outro, de forma a compensar seu sentimento de inferioridade.

Eu já perdi as contas em que discuti com outras pessoas e elas apresentaram argumentos muito mais consistentes que o meu. Às vezes até passei vergonha com meus argumentos frente à superioridade da argumentação de alguns dos meus interlocutores. O que eu fiz? Como não sofro complexo de inferioridade nem me julgo tão arrogante como algumas pessoas acreditam, me pus no exercício de entender melhor o que meu interlocutor dizia e, na maioria das vezes, joguei fora minha forma de pensar e adotei a do meu interlocutor porque me pareceu bem mais razoável.

Obviamente que todo esse exercício dá trabalho e exige esforço. É mais fácil digerir e ruminar visões simplórias e bovinas da realidade. E é por isso que estamos metidos em um Brasil medieval, autoritário, anti-intelectual e religiosamente obscurantista em pleno século XXI.

Então, se eu puder dar uma sugestão, tente se tornar em um “pseudo-intelectual de merda”. Dá um pouco de trabalho, mas é compensador. Dois hábitos são fundamentais:


  1. Ser um amante do conhecimento e devorador de bons livros
  2. Nunca se sentir ofendido com uma visão mais complexa da realidade: a realidade é complexa e somente análises mais complexas dão conta dela, não aquelas correntes de memes de whatsapp.


quinta-feira, 12 de setembro de 2019

Sobre o sistema de saúde nos EUA


De uma conversa com amigos no Whatsapp

*** Amigo 1 comentando imagem que ele publicou ***
A gente reclama do SUS (que tem seus problemas), mas está ae um ponto que estamos anos luz a frente dos gringos

*** Amigo 2 ***
Apesar de toda a corrupção que existe nesses programas de saúde aqui no Brasil
E não é pouco, como tudo aqui, infelizmente
Eu tenho que admitir que é algo bom
Meu cunhado tem esclerose múltipla
A medicação pra compra custaria 20.000 por mês
Um casal de amigos da minha esposa, a filha deles faz um tratamento com uma medição que custaria 2.000.000 ano
Tem muito Brasileiro que vai morar fora e por causa do custo dessas medicações voltam pra cá

*** Amigo 1 ***
Caraca... e olha que eu já estava admirado com o que tenho na minha bolha que é minha mãe com a medicação pra diabetes dela...
Esses casos ae são ainda mais impressionantes

*** Eu ***
O Brasil possui o maior programa de saúde pública do mundo. Por conta das sua dimensão continental. Por ser um país pobre tão grande, é um enorme desafio fazer esse sistema funcionar e, por isso mesmo, é um grande feito.

Os EUA são a maior máquina de propaganda do mundo. O “way of life”norteamericano é uma ilusão muito bem vendida por esse sistema propagandístico e pela indústria cultural, em especial o cinema. Na realidade, os EUA são o pais “mais capitalista” do mundo e o “mais” implica no radicalismo do capitalismo. Ou seja, no limite zero influência nos governos na sociedade para balancear as distorções do capitalismo.

E que distorções são essas? Simples: quanto mais dinheiro você acumula, mais capacidade você tem de acumular capital e cada vez mais você transfere o dinheiro dos mais pobres para você. Essa ideia levada ao radicalismo implica em um estado totalmente descompromissado com a sociedade. Então, se vc tem dinheiro para pagar médico, beleza. Se não tem, morre. E as empresas de saúde são apenas empresas capitalistas cujo objetivo é dar lucro aos acionistas (ideia do mercado de ações levada ao extremismo: maior lucro no menor tempo possível).

A ANS praticamente nas mãos dos capitalistas do sistema privado de medicina tem como objetivo o modelo norte-americano onde a saúde é apenas uma mercadoria explorada por capitalistas objetivando o maior lucro possível (o custo disso são vidas humanas pobres perdidas, o que é natural na lógica do capitalismo selvagem onde você vale pelo que possui e não porque é um ser humano). Da mesma forma que existe um grande esforço em tornar a educação apenas mais uma mercadoria a ser explorada por capitalistas visando o maior lucro possível. Esses dois casos são exemplos acabados da total distorção e alienação do real objetivo da saúde e educação, que deveriam ser serviços de qualidade oferecidos à sociedade de forma mais igualitária possível cujo esforço é transformar em mera mercadoria a ser explorada para auferir o maior lucro possível a quem oferece os serviços e paga quem tiver condições, perpetuando e aprofundando ainda mais a extrema desigualdade social e de renda do país.

Países que desenvolveram capitalismos mais sadios, como os países europeus, possuem todos os mecanismos do capitalismo e um estado que garante serviços sociais a toda sociedade partindo da ideia de que a riqueza gerada na sociedade é produzida por todos e deve ser compartilhada por todos e não concentrada nas mãos daqueles que desenvolveram mecanismos poderosos para transferência de riqueza.

E o que acontece no Brasil? Como nos EUA, o brasileiro médio é um estúpido pouco afeito ao conhecimento. Então ele vive nesse estado eterno de ignorância e infantilidade que enxerga o mundo de forma maniqueísta: tudo o que se parece com a eficiente propaganda “meritória” dos EUA é bom e deve ser absorvido sem fazer qualquer tipo de crítica. Tudo o que difere disso é coisa de comunista e deve ser rejeitado sob o risco de o Brasil virar uma ditadura comunista. Pegue qualquer programa social que funcione em sociedade mais desenvolvidas da Europa e sugira aqui no Brasil para ver a reação do pobre de direita médio (talvez a maioria dos brasileiros): o sujeito vai ter urticária dizendo que é coisa de comunista que quer acabar com a família, deus e a propriedade.

Aí fica difícil, né? Kkkkkkkkkkkkkkkkkkk

Para conhecer um pouco mais sobre a revoltante indústria de saúde nos EUA e que estão implantando aos poucos no Brasil, assista esse tenebroso documentário do Michael Moore: https://www.youtube.com/watch?v=VoBleMNAwUg

Para conhecer um pouco mais sobre os pés de barro da propaganda do “way of life”, assista esse documentário do Noam Chomsky, professor do MIT e um dos mais respeitados filósofos vivos: https://www.youtube.com/watch?v=VoBleMNAwUg

Para conhecer um pouco melhor sobre o motor da economia e que explcia muito disso que estou dizendo, leia essa “bíblia” do capitalismo moderno, um livro que já nasceu clássico e erigiu Piketty como uma das maiores autoridades no tema: https://www.amazon.com.br/Capital-no-S%C3%A9cu…/…/8580575818

(Essa obra, que já se tornou uma referência entre os estudos econômicos, contribui para renovar inteiramente nossa compreensão sobre a dinâmica do capitalismo ao colocar sua contradição fundamental na relação entre o crescimento econômico e o rendimento do capital. O capital no século XXI nos obriga a refletir profundamente sobre as questões mais prementes de nosso tempo.

“Piketty transformou nosso discurso econômico; jamais voltaremos a falar sobre renda e desigualdade da maneira que fazíamos.” - Paul Krugman (Prêmio Nobel de Economia), The New York Times

“Um livro seminal sobre a evolução econômico-social do planeta... Uma obra-prima.” - Emmanuel Todd, Marianne)

sábado, 7 de setembro de 2019

Filósofo e religioso diante do avanço científico e dos costumes

(ou sobre o Brasil religioso-fundamentalista que tem dificuldade em se adaptar ao novo) Diante de uma nova descoberta científica, um novo avanço tecnológico qualquer ou ainda de costumes, o filósofo diz “Que interessante! Que desafios éticos e morais isso pode propor! Reflitamos sobre isso.” E se põe a pensar, a questionar, a investigar no saber previamente acumulado quase sempre consciente de que seus preconceitos e carga cultural terão poder de influenciar nas suas conclusões. Dessa forma o pensamento filosófico vai se expandindo. Diante de uma nova descoberta científica, um novo avanço tecnológico qualquer ou ainda de costumes, o religioso diz “Hum... que negócio estranho é esse? Deixa-me ver o que meu livro sagrado tem a dizer.” E se debruça sobre o livro religioso (ou o saber armazenado de outra forma) que foi cristalizado provavelmente há milhares de anos por pessoas que acreditavam piamente que sua divindade soprava em seus ouvidos a revelação dos segredos do universo. Tal pesquisa será influenciada por sua leitura particular decorrente de seus preconceitos e carga cultural quase sempre inconscientes para ele. Se der sorte, num exercício a la Nostradamus, ele encontrará algo no seu oráculo milenar que possa se adaptar à nova realidade e dirá, exultante: “Já estava registrado na profecia!” Se não der essa sorte, provavelmente iniciará uma nova caça às bruxas.