domingo, 2 de fevereiro de 2020

Mr. Robot e o poder do mito na mente do "pobre de direita"


Terminei de assistir a série Mr. Robot e, refletindo sobre o final, lembrei-me de um amigo "pobre de direita" que me disse certa vez ser contra taxar ricos porque, quando for rico, não irá querer pagar imposto. Não vou entrar no mérito de qual raciocínio tortuoso me levou de Mr. Robot a meu amigo "pobre de direita", mas o fato é que sua justificativa me deixou estupefato.

Nem é preciso fazer qualquer digressão sobre os diversos aspectos surreais do pensamento do meu amigo, mas o que interessa no momento é o fato de que tanto meu amigo como o "pobre de direita" pensam como pensam porque vivem em um mundo de fantasia onde substituem a realidade por uma alucinação paralela. E, nessa alucinação, eles acreditam piamente que têm alguma chance de se tornarem ricos. A chance do meu amigo se tornar tão rico a ponto de justificar sua aversão a taxação de grandes fortunas talvez seja a mesma de ele ganhar na megasena.

Eu diria que nem o "pobre de esquerda" nem o de direita se tornarão ricos. A diferença é que o "pobre de esquerda" é capaz de reconhecer os motivos enquanto o de direita abraça uma alucinação que o faz negar a realidade. Então ele vive a vida toda acreditando que, se fizer as coisas de determinada forma, sem questionar o mundo à sua volta, por algum passe de mágica meritocrático se tornará rico.

Na realidade, penso que somente pessoas pequenas vivem em função de se tornarem ricas. Sejam ricas ou pobres, essas são as criaturas menos interessantes que passarão pela existência. Some-se a essa total falta de atrativos de uma vida assim a alucinação do "pobre de direita" de acreditar que se tornará de fato rico.

O que sustenta essa alucinação são os mitos, as distrações muito bem urdidas para deixar esse "pobre de direita" andando em círculos, enquanto acredita que está fazendo a coisa certa, quando na realidade está desperdiçando sua existência em uma busca que certamente não lhe trará uma fração do que ele espera. Mas os mitos estão ali, uma prisão na sua mente que lhe impedirá de se emancipar integralmente como ser humano.

Em um país como o Brasil, de uma população bastante mística, supersticiosa, de religiões fundamentalistas, viver em um mundo de fantasia sustentado por mitos é um exercício diário cuja repetição constante leva à perfeição. Portanto, a menos que o brasileiro se liberte dessa prisão onde está metido, dificilmente será capaz de perceber o quanto ele gasta de sua energia para sustentar os mais ricos e poderosos e quanto o mito da meritocracia o torna prisioneiro de um mundo imaginário onde, para tudo funcionar bem, basta ele seguir as regrinhas que os mais ricos e poderosos lhe dizem ser o elixir da felicidade, mesmo que seu sonho de uma vida melhor nunca se concretize e ele morra sem descobrir o motivo.

sábado, 1 de fevereiro de 2020

Horizontalidade, verticalidade e sacanagem na música

Estava conversando com o Felipe e lhe explicando a diferença entre a música medieval e períodos mais tardios. Uma das características fundamentais é que os músicos pensavam a música horizontalmente, por isso a polifonia é tão rica, atingindo o máximo da sua sofisticação no período barroco. Com o desenvolvimento da linguagem tonal (no período medieval ela é essencialmente modal), a música foi sendo percebida cada vez mais verticalmente, via acordes. Por isso mesmo a polifonia diminui. Citei a ele exemplos de alguns prelúdios de Chopin que ele gosta de tocar onde se percebe claramente que o compositor estava pensando a música verticalmente, a partir do discurso harmônico, o caminho percorrido pelos acordes.

Daí me lembrei de duas piadas memoráveis que ouvi nas pouquíssimas aulas de música que frequentei na Fundação das Artes em SCSul nos meus verdes anos.

Em uma determinada aula o professor dava exemplos de ideias expressas por composições musicais. Daí um aluno perguntou:
- Professor, e música de sacanagem?
- Tem: a Sagração da Primavera.
- Sagração da Primavera?
- Sim. As primeiras notas da obra são as primeiras notas do hino do Corínthians! Isso é muita sacanagem!

E por falar em sacanagem, em outra aula, quando ele falava sobre o pensamento horizontal e não vertical de Bach, soltou a seguinte pérola:
- Bach pensava tão horizontalmente que teve 8 filhos.