quarta-feira, 17 de outubro de 2018

Autocrítica


Estava lendo agora os comentários de uma notícia que fala dos diversos xingamentos do Trump em relação às mulheres. O mais exótico de publicações em portais são os comentários. Reconheço que sofro de uma certa curiosidade mórbida em relação a esses comentários.
Por quê?
Por uma questão muito simples: ali se vê todo tipo de atrocidade, desinformação, preconceito. Sempre fiquei muito impressionado com o nível de desinformação e preconceito que o brasileiro tem a partir das minhas leituras desses comentários.
Na reportagem em questão, a maioria dos comentários era na linha "go Trump", "tem que acabar com esse mimimi mesmo", "a culpa não é do Trump, mas das mulheres que estão embarangando demais" e coisas do gênero.
Daí eu me lembrei desse momento funesto em que estamos passando. Essa catarse de preconceito, desinformação, fakenews. É como se a maioria dos brasileiros estivesse escrevendo nos comentários de uma notícia em que todos tivessem acessado. Só mudou a escala. Eu vejo gente bem-educada, bem formada dizendo as maiores atrocidades, embarcando em um auto-engano impressionante. Nem é gente que eu consideraria estúpida.
Realmente, precisaríamos fazer uma autocrítica muito grande do que acreditamos, pensamos, do ódio que disseminamos com nossos discursos, das mentiras que alimentamos. Pena que estamos tão anestesiados em nossas certezas, nossos ódios, que dificilmente seremos capazes dessa tão necessária autocrítica.

quinta-feira, 11 de outubro de 2018

Sobre homofobia e cotas


Participei há pouco involuntariamente de um experimento político/sociológico bem interessante.

Entabulei um diálogo com desconhecidos sobre a questão candente da política. Eu fiquei dando corda só para ver onde a coisa ia parar.

Houve momentos surrealmente épicos:
1.       Não houve ditadura: foi militarismo
2.       A Dilma não foi torturada: é tudo marketing
3.       Os nordestinos não trabalham e vivem de bolsa família, comem muito mal, o custo de vida é baixo e eles se contentam com o bolsa família. Os pais mandam os filhos mendigar nos faróis e ficam em casa vivendo de bolsa família

Um rapaz discordava de coisas que ouvia e depois entrou na conversa. Disse que os extremos de direita e esquerda são ruins. São uma desgraça, eu disse. Ele concordou.
Daí foi colocar seus pontos de vista. Destaco 2 deles:

- Sou contra homossexualismo. Não gosto. Mas não tenho nada contra homossexual (etc.)
- Eu também não gosto de brancos! (ele é branco) Mas não tenho preconceito.
Ele me olhou meio assustado, mas teve que concordar:
- Tudo bem, é seu direito. Mas, você não poderia deixar de empregar um branco.
- Claro que não! Não tenho preconceito contra brancos. Só não gostaria que meu filho se casasse com uma branca. De resto, de boa!
Um amigo na conversa tentou dar uma aliviada porque tinha ficado meio tenso. O rapaz riu, contemporizando:
- Ele está imitando o Bolsonaro...
Arrá! Ele percebeu, não é burro!
***
Daí veio o assunto das cotas:
- Sou totalmente contra cotas, sou a favor da meritocracia.
Concordei com ele e descrevi duas situações extremas: um filho de uma família abastada que nunca precisou trabalhar, estudou nas melhores escolas (pagas), fala outros idiomas, morou no exterior e outro favelado, que perdeu o pai, estuda numa escola pública péssima, do bairro, durante o dia tem que tomar conta dos irmãos mais novos porque a mãe tem que trabalhar, bla, bla,bla... O riquinho se dá super bem na vida, o outro não vai longe. Concluí, ironicamente:
- Óbvio que o primeiro conseguiu com seu esforço e tem todos os méritos por isso. Já o segundo é um encostado, preguiço, que não quis se esforçar.
Ele ficou meio emputecido e, meio alterado, deu a “cartada” tradicional:
- Estudei em escola pública, ralei muito na vida, bla, bla bla!!!
- E daí? Eu também. Ralei muuuuuito!!! Só que eu consigo enxergar essa realidade.
Daí tentei uma abordagem mais didática para ele entender o espírito das cotas.
Gastei alguns minutos explicando a questão do acesso à universidade e como um sistema de cotas pode ajudar quem tem condições de entrar lá mas, porque existe um número muito maior de pessoas que possuem um investimento pesado por parte dos pais, essas pessoas preenchem todas as vagas. Se as mesmas pessoas estivessem nas mesmas condições daquele pobre/negro bastante capacitado, em vez de tirar 7 (digamos) teriam tirado 3 e jamais teriam entrado na tal faculdade. Então o sistema ajuda a dar uma equilibrada nessa injustiça. Basicamente.
- Então, isso faz algum sentido para você? É justo?
- É... é justo. Mas eu não concordo com cotas!

Conclusão: as pessoas não são burras. Elas simplesmente não querem abrir mão de suas ideologias equivocadas, de seus preconceitos, de seus privilégios: se a situação as estiver favorecendo, que se lasque o resto do mundo.


segunda-feira, 8 de outubro de 2018

Children


No carro, enquanto lê um livro, ele pede:
- Pai, põe alguma coisa de Bartók pra tocar?
No semáforo, pesquiso rapidamente "Bartok for children" e coloco para tocar.

Seus olhos brilham de felicidade quando uma ideia cruza sua mente.
Fecha o livro e pega, rapidamente, seu "Béla Bartók for Children" na sua mochila da aula de piano.
Feliz, acompanha na partitura, cantando junto as pequenas peças que ele já estudou.
O tempo volta, rapidamente. Os tempos eram outros, mas a felicidade era a mesma: nos tempos passados meus olhos se enchiam de felicidade, quando aos 9 anos, ficava horas e horas nos livros de método de instrumento e de solfejo do meu pai, descobrindo pelo solfejo as maravilhosas melodias que se esgueiravam por trás das notinhas pretas...