segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

Ler é preciso

Em um ano em que trabalhei insanamente em 2 empregos, 70 h semanais, meu cérebro quase fundiu, consegui arranjar tempo para ler. Porque, nessa loucura toda, ler também era uma forma de manter a sanidade mental.

Foram 37 livros, 10.328 páginas, 279 páginas por livro, 28 páginas por dia.

O mais extenso (672 páginas) foi "O capital do século XXI" - Thomas Piketty e o mais curto (96 páginas) "O que é ação cultural" - Teixeira Coelho.

(estatísticas do skoob)

Um deles é especial porque se trata de um livro escrito por mim e por Gustavǒ FredericoSidney GivigiStephanie Zuma LacerdaNelson Costa Jr.Thiago Mendanha e Felipe Fanuel, "Além do crer ou não crer".

A lista completa:

1. O Oceano no Fim do Caminho (Neil Gaiman) - 208 páginas
2. O despertar dos mágicos (Jacques Bergier e Louis Pauwels) - 463 páginas
3. O clube dos anjos (Luis Fernando Veríssimo) - 344 páginas
4. YE (Guilherme Petreca) - 216 páginas
5. A velocidade da luz (Javier Cercas) - 272 páginas
6. 21 lições para o século 21 (Yuval Noah Harari) - 432 páginas
7. Além do crer ou não crer (Gustavo Frederico e outros) - 127 páginas
8. Eu sou Malala (Malala Yousafzai, Christina Lamb) - 288 páginas
9. As armadilhas do poder (Gilberto Dimeinstain) - 155 páginas
10. O livro de Jô (Jô Soares, Matinas Suzuki Jr.) - 480 páginas
11. A tolice da inteligência brasileira (Jessé Souza) - 256 páginas
12. De Repente, Nas Profundezas do Bosque (Amos Oz) - 144 páginas
13. O Ódio Como Política (Esther Solano) - 128 páginas
14. O príncipe da névoa (Carlos Ruiz Zafón) - 184 páginas
15. Vox (Christina Dalcher) - 320 páginas
16. As Vantagens de Ser Invisível (Stephen Chbosky) - 224 páginas
17. O Deus da Idade Média (Jacques Le Goff) - 127 páginas
18. O Capital no Século XXI (Thomas Piketty) - 672 páginas
19. Vidas secas (Graciliano Ramos) - 176 páginas
20. Stalker (Tarryn Fisher) - 288 páginas
21. Tempo é dinheiro (Lionel Shriver) - 464 páginas
22. A verdade sobre o caso Harry Quebert (Joël Dicker) - 576 páginas
23. Orgulho e preconceito (Jane Austen) - 374 páginas
24. Maus (Art Spiegelman) - 296 páginas
25. Ética e vergonha na cara (Mário Sérgio Cortella, Clóvis de Barros Filho) - 112 páginas
26. Persépolis (Marjane Satrapi) - 352 páginas
27. Como as Democracias Morrem (Steven Levitsky, Daniel Ziblatt) - 272 páginas
28. Caminho de Pedras (Rachel de Queiroz) - 256 páginas
29. A fantástica vida breve de Oscar Wao (Junot Díaz) - 336 páginas
30. A Existência De Deus Comprovada Por Um Filósofo Ateu (Dany-Robert Dufour) - 336 páginas
31. O Inocente (John Grisham) - 384 páginas
32. O Dia em que Selma Sonhou com um Ocapi (Mariana Leky) - 320 páginas
33. O que é Ação Cultural (Teixeira Coelho) - 96 páginas
34. Esperando Godot (Samuel Beckett) - 192 páginas
35. A abolição (Emília Viotti da Costa) - 144 páginas
36. Filhos de Sangue e Osso (Tomi Adeyemi) - 560 páginas
37. O lucro ou as pessoas? (Noam Chosmky) - 192 páginas

quinta-feira, 19 de dezembro de 2019

Com que roupa eu vou?

- O que você acha? Ponho o vestido branco ou o preto?
Ai, não! Essa pergunta de novo?
- Ah... sei lá! Esses dilemas são muito difíceis para mim!
Ela insiste, me municia com informações a respeito. Mesmo assim é difícil para mim. Meus processos deliberativos são muito diferentes. Sem dizer que tenho apenas meia dúzia de roupas espremidas no cantinho do meu guarda-roupa que foi invadido por suas roupas, já que as outras partes que ela se apossou quando da construção do embutido, com o tempo se mostraram insuficientes. Se eu uso meia dúzia de roupas e simplifico minha vida por isso, por que raios tenho que me meter nessas decisões tão complexas de quem tem roupas que, se colocadas uma ao lado da outra, seriam suficientes para construir uma alameda até a Lua? Quem mandou comprar tanta roupa? Cada um com seus problemas! Por outro lado, sejamos honestos, também tenho minha parcela de culpa: quem me mandou casar?
Essa guerra já aconteceu várias vezes. E ela só termina com minha derrota. Não adianta eu insistir. Preciso escolher. Penso um pouco mais e declaro meu voto:
- Bem, vai com o preto. Ao menos você não vai passar frio.
Ela passa os dois vestidos.
Veste o branco e vai trabalhar.

Mentira! Dessa vez ela usou o preto. Mas poderia ter usado o branco mesmo. Porque a guerra que eu perco não é a guerra em que sou obrigado a votar em um processo decisório. A guerra diz respeito à minha participação compulsória em um jogo de adivinhação. Dessa vez eu acertei quando, vencido, aceitei participar do jogo de adivinhação. Mas nem sempre acerto.

********

PS: não menos importante que o texto acima, faz-se necessário um esclarecimento. Embora pareça que me sobre coragem e me falte noção, não é bem assim. Portanto, declaro a quem possa interessar, que esse texto contém ironias e exageros e é apenas o resultado de uma deliciosa oportunidade de escrever uma crônica que não quis perder. Sendo assim, na esperança de que não tenha que dormir no sofá até o ano que vem e na expectativa de vossa atenção e apreço, subscrevo-me, atenciosamente. 😇

quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

A hipocrisia dos religiosos

Essa treta com a Porta dos Fundos me lembrou uma história (piada?) que ouvi há muito tempo.

Diz que um pastor pregava para uma grande assistência e o tema era algo que tinha a ver com a injustiça ou alguma outra coisa que não significasse vantagem pessoal para a audiência, apesar de ser um tema que devesse mover os chamados cristãos. As pessoas estavam letárgicas, sonolentas. Daí, o pastor resolveu soltar um palavrão no meio da prédica. Instantaneamente a audiência ficou atenta, ligada no discurso. Ele então passou um pito nos ouvintes porque, enquanto ele dizia algo da maior relevância para um cristão, eles não estavam nem aí. Foi só ele colocar um palavrão no meio e imediatamente o gatilho moralista da audiência a pôs em alerta: bando de hipócritas!

É muito interessante que o filme da Porta dos Fundos cause indignação numa intensidade imensa enquanto toda a desgraça que vem carcomendo esse país num galope de 4 cavaleiros do apocalipse nem de longe cause a mesma comoção e, em muitos casos, ao contrário, mobiliza-os para apoiar. Isso me fa chegar à seguinte conclusão:

O moralismo religioso e a hipocrisia definitivamente incapacitaram essas pessoas de olharem o mundo atual com os olhos de Jesus de Nazaré, a quem elas dizem seguir.

quarta-feira, 4 de dezembro de 2019

Minhas prerrogativas acima de tudo, Eu acima de todos

Temos um problema cultural que aflige as autoridades, policiais inclusive e penso que, de alguma forma, alimenta a sanha violenta dos últimos contra populações empobrecidas: julgam-se acima da lei. Infelizmente, quando passamos pano para a corporação policial diante dos seus atos criminosos, culpando as vítimas, apenas alimentamos esse sentimento de poder que eles possuem em vez de ajudarmos no sentido contrário, educá-los a se lembrar que eles são cidadãos tão devedores de cumprir a lei e os marcos civilizados como qualquer pessoa.
No caso de policiais há uma lei específica que raramente os vejo obedecendo, leis de trânsito, o que me parece um despautério.
Hoje aconteceu algo curioso.
Saía da academia, 7 h da manhã, lentamente e distraído. Comecei a atravessar na faixa quando um veículo veio pela esquerda, na esquina, e parou na faixa esperando eu passar. De rabo de olha dei uma olhada e vi que era um veículo policial. No ritmo em que estava, cansado, continuei. O policial acelerou, não mudei meu ritmo, assim que cheguei na metade da travessia, ele subiu a rua, vagarosamente, não sem antes lançar algum insulto contra mim que não entendi.
Uma mulher que caminhava na calçada no sentido contrário comentou comigo assim que a alcancei:
- Mas que absurdo! Como eles são folgados! E ainda se acham os donos do mundo!
- Pois é. Isso é um problema.
Conversando com uma amiga ontem, ela me dizia que os policiais, quando chegam em uma favela, são hostilizados. Ela estava tentando relativizar a atitude violenta dos policiais em Paraisópolis. Eu lhe disse que entendia a atitude hostil dos moradores. Se os policiais fossem respeitosos com eles, os tratassem com dignidade, estivessem lá como representantes do estado para os servir, não seriam hostilizados. Mas os policiais tratam esses moradores na base da pancada. Como não seriam hostilizados? Eu também teria uma atitude hostil.
Daí, no bairro classe média em que eu vivo, onde as pessoas às duras penas estão aprendendo a respeitar faixa de pedestre, os policiais têm uma atitude tão reprovável como essa?
Complicado, viu? Eu não consigo passar pano para a corporação policial, apesar de respeitar a polícia, reconhecer o importante papel que eles empreendem na comunidade onde moro, diferente das notícias que ouço sobre a atuação deles em comunidades favelizadas.
Enquanto os agentes da lei não evoluírem e se tornarem de fato civilizados, esses problemas só se repetirão.

terça-feira, 19 de novembro de 2019

Definitivamente Deus é o cara

Estou desenvolvendo um sistema.
Em muitos sentidos ele emula um sistema nervoso central.
Pensa num trampo lascado projetar numa arquitetura e realizá-la (escrevendo os códigos) para que um processo mande sinal para outro, que ativa um terceiro processo e assim por diante, tudo dentro de uma lógica pre-determinada e que, depois, o circuito fica fechado supostamente à perfeição. Tráfego de mensagens alguns níveis e sentidos. Como um sistema nervoso central.
Fico pensando no trampo que Deus teve para projetar o ser humano.
Deus é o cara, hein? Maior respeito!
Se bem que ele teve toda a eternidade de ócio à disposição para pensar no assunto e eu estou nisso de verdade há pouco mais de 1 ano.

sexta-feira, 15 de novembro de 2019

Régua alta (ou A destruição da família tradicional pela Globo)

Desci para tomar café. A Flávia já estava tomando enquanto assistia Mais você. Passava um trecho de uma novela. Parecia ser um caso homossexual. Perguntei para a Flávia e ela confirmou. Comentei ironicamente: a Globo sempre empenhada em destruir a família tradicional.

Na sequência, Ana Maria continuou conversando com o entrevistado. Lá pelas tantas ele disse que já havia escrito mais de 60 livros. Sessenta livros!, exclamou a Flávia. Pronto, conseguiu prender minha atenção. Quem é?, perguntei. Walcyr Carrasco.

Ah... Walcyr Carrasco! Daí eu lhe contei uma coisa que ela não sabia.

Quando assinava a Veja, meu texto preferido era a última página da Veja São Paulo. Eram crônicas escritas pelo Walcyr Carrasco sobre o cotidiano da cidade. Era um texto simples, despojado, não se notavam pretensões literárias, mas... que textos deliciosos! O cara escrevia demais.

Eu sempre gostei de escrever, mas meus textos sempre me pareceram simples demais, despojados demais, no limite, ruins. Mas, depois de ler os textos de Walcyr Carrasco, percebi que é possível escrever textos despojados e de qualidade. Logo, o despojamento de meus textos de repente não significariam que eles eram necessariamente ruins. Obviamente não com a genialidade de Walcyr Carrasco, mas de repente textos que poderiam ser lidos por outros, por que não?

Eu tive a mesma sensação quando fiz um curso de escrita vocal popular com André Protásio, um arranjador carioca. O mais importante do curso para mim foi perceber que as ideias de arranjo que eu tinha não eram tão ruins assim, até mesmo algumas soluções que me pareciam básicas demais. No curso vi diversos exemplos similares e ficava tão bonito!

Enfim, às vezes o problema é ter uma régua muito alta.

Obrigado, Walcyr Carrasco.

(PS: 10 das melhores crônicas de Walcyr Carrasco na Veja São Paulo Dez crônicas de Walcyr que deram o que falar)

quarta-feira, 30 de outubro de 2019

O leão, as hienas, a Venezuela e o vitimismo

Ontem, pela primeira vez, parei para ouvir uma “live” do presidente. Lembrei-me do que eu dizia aos meus amigos antipetistas raivosos e entusiastas do bolsonarismo: “se existe uma chance do Brasil se tornar uma Venezuela, será com Bolsonaro que guarda muitas semelhanças com Hugo Chávez”.

O autoritarismo, a truculência bolsonarista é algo que não precisamos mais questionar. Apenas isso já poderia mostrar que o Brasil politicamente está muito mais para Venezuela quanto já esteve. Mas vendo a fala do presidente, lembrei-me das vezes que visitei aquele país na era Hugo Chávez e via, com tristeza, a derrocada política lá instaurada nas falas virulentas de Hugo Chávez contra os meios de comunicação e todos os que discordassem dele como se fossem hienas (se me permitem o paralelo) querendo destruir o país. Não posso deixar de dizer que é possível também estabelecer um paralelo entre a grande mídia venezuelana e as organizações Globo, no pior aspecto possível, ainda que nesse caso eu veja que a Globo reproduziu um furo de reportagem em algo de interesse público, algo que é da natureza do jornalismo.

Por fim, não deixa de ser irônico e patético o presidente que mais produz inimigos por meio de seu comportamento inadequado, incompatível com o que se espera de um presidente, se vitimize. Ele não é vítima, muito pelo contrário.

domingo, 27 de outubro de 2019

Pregadores e palestrantes


Sou de uma família de tradição evangélica.

Tenho 2 irmãos (mais novos que eu) pastores.
Tenho um cunhado pastor.
Como toda família de “tradição pastoral”, o domínio do discurso religioso é uma característica.
Apesar de ser uma pessoa muito voltada aos livros e, de certa forma à palavra, nunca fui pregador.
Mesmo porque jamais conseguiria fazer as pregações típicas que falam que Deus vai fazer isso, Deus vai fazer aquilo, Deus de milagres ou, como aos poucos a essência das pregações vêm mudando, autoajuda ou enriquecimento material como prova de que o crente está na direção de Deus.
Fui professor de Escola Bíblica Dominical durante alguns anos e minha “prédica” era sempre uma tentativa de fazer os alunos participarem das aulas dizendo o que pensavam, refletindo sobre o que estava sendo dito, questionando, tentando se aprofundar nas questões. O que era muito difícil porque o crente via de regra não vai à igreja para pensar, refletir, mas para apenas “receber”, numa atitude típica de quem está preparado para ter seu cérebro “lavado” pela palavra.
Ontem à noite, vendo alguns minutos a pregação de uma amiga no facebook, desisti dada a preguiça que me abateu. Aquela pregação típica que fala que Deus vai fazer isso, Deus vai fazer aquilo, o segredo para o sucesso pessoal é isso ou aquilo (autoajuda).
Daí, remontando à minha memória, lembrei-me que minha última “pregação” foi há mais de 15 anos. Acho que fui convidado a pregar duas vezes apenas.
Naquela pregação, escolhi um texto bíblico dos evangelhos, não me lembro mais qual, e procurei refletir sobre os desafios que Jesus nos colocava a partir da sua parábola proposta. Nada de Deus vai fazer isso ou aquilo. Muito pelo contrário. Citei até Chico Buarque. Em uma Assembleia de Deus. Em um culto de domingo à noite.
No final da pregação, o pastor disse para a congregação: que palestra!
Rimos.
E nunca mais fui convidado a pregar novamente. Eheheh.
Ah, sim, no final do culto, uma ou duas pessoas vieram falar comigo que haviam sido desafiadas pelo que eu tinha dito, possivelmente a serem pessoas melhores. Fiquei feliz ao saber que elas não tiveram reforçadas a expectativa de que “a minha bênção vai chegar”. Eu teria ficado frustrado.

domingo, 22 de setembro de 2019

Merda

Ainda estava bastante irritado ao desembarcar do metrô. Tinha resolvido entregar o trabalho escolar e voltar imediatamente para casa. Estava com muita raiva do universo e sua mania de foder com sua vida sempre que tinha oportunidade. Porque o celular ficar preso dentro do escritório só poderia ser conspiração do universo contra ele. Trabalhara até tarde, tinha sido o último a sair do escritório e a porta só abria sem chave pelo lado de dentro. Apressado para ir embora porque estava atrasado para a aula, saíra voando e só se lembrara do celular quando já estava do lado de fora, a porta trancada.
Ele ficava extremamente irritado quando tentava contatar alguém via celular e não conseguia. Certamente a infeliz pessoa tinha deixado o celular em algum lugar inacessível. Para que ter um celular se nunca atende quando ele está tocando?
Sua bile estava em franco diálogo com as pessoas que utilizam mal seus aparelhos celulares como se elas fossem culpadas de ele estar desprovido do seu naquele momento. Ele queria mais é que ligassem para ele somente para passarem a raiva de ele não atender. A ideia de passar raiva sozinho só aumentava seu ódio. Imaginar que outras pessoas também passariam raiva era uma espécie de conforto em relação à frustração de ter deixado o celular preso dentro do escritório.
Pensando bem, deveria esticar sua estada na rua e chegar em casa o mais tarde que conseguisse somente para que as pessoas ficassem sem saber dele o maior tempo possível. Seria uma ótima vingança. Mas, aí se lembrara de sua mãe. Já pensou se começam a mandar mensagens para ela perguntando por ele? Não! Melhor voltar para casa o quanto antes. A última coisa que ele queria era deixar sua mãe preocupada. Ela já tinha preocupações demais. Por isso era melhor entregar o trabalho e voltar para casa imediatamente.
Que merda! Qualquer alternativa era ruim. Vingar-se da humanidade poderia causar efeito indesejável na sua mãe. Voltar para casa mais cedo demonstraria sua incapacidade de se vingar do universo. Tudo por causa de uma merda de porta que não abre por fora a não ser que se tenha uma chave. Por que ele não tinha a porra da chave do escritório? Bem, ele teria que assumir a responsabilidade implicada nisso. Também não era uma boa ideia. Merda.
Ainda ruminando sua fúria e o pensamento circular a respeito das causas e efeitos implicados no seu estúpido esquecimento, desembarcou do metrô e, caminhando em ritmo de marcha, dirigiu-se à escola.
No meio do caminho havia uma praça. Uma merda de praça cheia de mendigos, cheiro de xixi, bosta e pedintes. Certamente passar pela praça prendendo a respiração nos trechos mais fétidos o irritaria ainda mais. A opção seria escolher outro caminho, mais longo. De novo o universo a lhe sacanear. Não iria dar esse gostinho ao universo de ter que se ferrar mais ainda em um caminho mais longo. Emputecido, cruzou a praça.
Enquanto cruzava, evitou olhar os mendigos deitados, ignorou as pessoas. Queria muito acidentalmente pisar em alguém deitado no meio do caminho somente para descontar sua raiva. Pisaria com vontade. Mas não teve coragem de provocar esse acidente porque, para isso, teria que deixar de andar cabisbaixo e olhar para a frente. Andar cabisbaixo lhe dava uma visão perfeita de onde estava caminhando e não haveria a menor possibilidade de tropeçar violentamente em alguém. Andar olhando para a frente lhe obrigaria a perceber as pessoas e eventualmente trocar de olhar com elas. Estava tão enfurecido que a ideia de olhar para outras pessoas era um dos piores castigos naquele momento. Portanto, cabisbaixo! Nem que renunciasse ao mórbido prazer de pisar com vontade em um mendigo.
Um garoto se aproximou pedindo esmola. Subiu-lhe uma gastura. Cedeu ao impulso de lhe dar um safanão e apenas meneou a cabeça violentamente enquanto olhava o solo.
Já quase no final da praça, ensimesmado com seus demônios, só se deu conta quando os marginais anunciaram o assalto. Discretamente um deles apontou a arma: celular, seu filho da puta! Assustado, repentinamente arrancado de seu pântano de cólera, não lhe ocorreu outra coisa a não ser dizer que não tinha. Tá de sacanagem? Quer morrer, filho puta? Eu não tenho mesmo. Então você vai morrer agora, seu viadinho!
A ideia de explicar onde estava o celular tangenciou sua mente, mas ele não se arriscou na explicação talvez por um misto de sensação da inutilidade da tentativa e o risco de irritar ainda mais os assaltantes que poderiam interpretar o fato como um esquecimento de propósito somente para frustrar o intento do assalto.
Entre xingamentos, ameaças e a morte se avizinhando de forma rápida e perigosa, os assaltantes tentaram salvar o assalto: cadê a grana?
Enfiou a mão no bolso e tirou tudo o que tinha, uma confusão de notas miúdas que não chegavam a 30 reais.
Irritadíssimo, o assaltante armado tomou o dinheiro de suas mãos e o ameaçou: Tá de sacanagem, maluco? Quer morrer? Cadê o dinheiro escondido! Só tenho essa grana, respondeu, humílimo. Revistaram-no, rapidamente e, frustrados, se deram conta que ele dizia a verdade. Era um desgraçado que nem dinheiro suficiente para um assalto tinha.
Isso elevou as ameaças de morte a um ponto de quase concretização e a morte era dada como certa. Me dá essa pasta, filho da puta do caralho!
Impressionante como, diante da morte, nossas preocupações são as mais imediatas possíveis. Era certo que ele morreria, mas naquele momento ele não conseguiu se lembrar da mãe que choraria até o túmulo a morte repentina e violenta do filho, não se lembrou da meia dúzia de assuntos pessoais pendentes e que deixaria algumas pessoas sem resposta, sequer se lembrou do futuro que jamais teria, um filho quem sabe, nem mesmo se lembrou da pilha de trabalho atrasado no escritório, o que lhe daria um fugaz prazer antes de desencarnar. Nada disso. A única preocupação que tomou seu cérebro foram as malditas laudas do trabalho que jamais entregaria alguns minutos mais tarde. E isso lhe pareceu, por um instante, mais importante que a própria vida que estava por um fio.
Por favor, eu tenho um trabalho nessa pasta e preciso entregar daqui a pouco!
Aquilo era irracional. Que diferença faria a bosta de um trabalho que ele nem quisera fazer? Parece que os bandidos concordavam com a irracionalidade da coisa porque o armado engatilhou o revólver, apontou para sua cabeça e lhe deu a sentença de morte num tom de voz que congelaria o sangue nas veias do mais intrépido cidadão.
Segundos antes de morrer, preso numa angústia quase catatônica, os pés fincados no solo, imobilizados por toneladas de pavor, ele conseguiu emitir a súplica final, que era uma tremenda estupidez, insistência no motivo que irritara ainda mais os assaltantes: por favor, preciso entregar esse trabalho...

Uma fração de segundos antes de que seus miolos se espalhassem pela praça, o outro assaltante, até então mero coadjuvante, diz para seu comparsa: deixa quieto, irmão; vamos nessa.
Pego assim de surpresa, o assaltante armado desarmou-se e, numa atitude surpreendente, devolveu-lhe o dinheiro, antes de a dupla desaparecer na quase penumbra da praça.
Toneladas de peso a menos nos pés, durou um instante estático, tentando assimilar o acontecido, até que seu cérebro se organizou novamente e reassumiu o controle. Demorou alguns instantes para se reorientar geograficamente e retomou a caminhada para seu curso noturno, não mais em marcha raivosa, mas num andamento reflexivo, deambulante.
Ia perdido em pensamentos esparsos, desorganizados, tentativas de reordenar seu fluxo de ideias, um garoto se aproximou pedindo esmola. Incontinenti, enfiou a mão no bolso da calça, puxou algumas notas amassadas e entregou-lhe. Nove reais. O garoto, surpreso com tamanha generosidade, nem se lembrou de agradecer, porque seu ímpeto imediato foi correr até seu irmão mais novo a mostrar-lhe sua sorte inesperada.
Seu cérebro ainda asfixiado por tamanha tensão, precisava de oxigenação. Em um misto de medo e alívio, inspirou profundamente aquele ar fétido, uma mescla de odores de fezes, urina, poluição, sangue, esperança, cagaço. Encheu bem os pulmões de ar porque, agora que o imprevisto do celular esquecido do outro lado da porta fechada já tinha sido lançado no mar do esquecimento, a noite lhe parecia bonita, havia até uma brisa soprando, uma vontade louca de aspirar toda a beleza da vida...

terça-feira, 17 de setembro de 2019

Astrologia e fé religiosa


Estava assistindo um documentário sobre astrologia e vi alguns aspectos bem interessantes.


A astrologia caiu no ostracismo aos poucos na medida em que a nascente astronomia passou a estudar os astros celestes de forma científica, não mística e, no início do século XX, a astrologia teve um súbito “revival” na Inglaterra, depois nos EUA e, por fim, tomou todo o mundo, culminando nos níveis de popularidade de hoje em dia.

Descobri que um tal de “efeito barnum” (ou falácia da validação pessoal) é usado para explicar a alta aceitação da astrologia, algo que sempre me pareceu óbvio demais e que sempre expus aos meus amigos entusiastas da astrologia: “as pessoas julgam exageradamente corretas as avaliações de suas personalidades que, supostamente, são feitas exclusivamente para elas mas que na verdade são vagas e genéricas o bastante para se aplicarem a uma grande quantidade de pessoas” (wikipedia). Para mim, não existe descrição melhor para esses perfis de astrologia. Eu sempre digo para meus amigos que tentam me convencer que meu perfil bate perfeitamente com o signo de áries que, de fato, bate, mas bate também em muitos aspectos com os outros signos; logo, a ilusão de que áries é perfeito para mim dependerá da minha crença nisso. E se eu acreditar muito, abracadabra!, a “mágica” acontece.

No documentário eles também diziam do efeito placebo que tais conselhos astrológicos causam. Outro aspecto óbvio, assim como ocorre com a fé: eu acredito tanto em algo que minha disposição muda em relação a esse algo. Não posso deixar de admitir que, se o que me diz a recomendação astrológica ou profecia religiosa é algo bom, saudável, então o efeito não será ruim. Muito pelo contrário, pode até me impedir de fazer alguma merda. Logo, se eu preciso de conselhos astrológicos para não boicotar minha vida, então é melhor que não tê-los.

Outro aspecto interessante que o documentário falou e que eu vejo muito é a explicação do enorme sucesso da astrologia nos EUA. Isso se deveria ao fato de que as pessoas naquele país estão se tornando cada vez menos religiosas, menos ligadas às religiões tradicionais. No entanto, elas continuam procurando algum tipo de espiritualidade e a crença na astrologia acaba preenchendo esse vácuo. É algo bem interessante que eu posso, de repente, utilizar como explicação para tantos amigos meus dantes religiosos e avessos à astrologia e que hoje, distantes de suas religiões de origem, cada dia mais se entusiasmam com a astrologia. Faz sentido pensar que a astrologia acaba fornecendo o misticismo que eles abandonaram parcialmente ao se afastarem da prática religiosa onde foram criados.

Então é isso: a astrologia acaba servindo como substituto místico às nossas crenças religiosas. Quando o crente começa a questionar certos dogmas que aprendeu durante toda a vida e já não se sente mais à vontade de fazer afirmações peremptórias defendendo tais dogmas, parte razoável do misticismo que ele cultiva é destruído. Talvez isso o leve a abraçar a astrologia caso ele necessite de uma boa dose de misticismo para dar sentido à sua vida, para se sentir especial, acolhido, o centro de alguma coisa. Talvez, no fundo, tudo o que desejamos é isso mesmo: sentirmo-nos especiais, o centro do universo. E se entramos em crise com nossa fé primeva, a astrologia acaba fornecendo o que ansiamos e, por isso, muitos de nós nos jogamos nos seus braços felizes e contentes. Porque é muito chato (e doloroso até) termos consciência da nossa insignificância no universo.

domingo, 15 de setembro de 2019

Política + alienação + comportamento de torcida = desastre

No posto de gasolina, conversando com o frentista amigo pobre de direita bolsomonion, ele resolveu dizer o que pensa da Nota Fiscal Eletrônica:
- Isso é coisa do PT!
- Como assim, coisa do PT?
Tergiversou e tentou melhorar.
- Não é só do PT. Esses caras ficam inventando essas coisas pra roubar a gente, pra acabar com a sonegação.
- Ah, então você acha que é bom que haja sonegação de impostos?
- Mas esses caras fazem isso pra tirar dinheiro da gente enquanto muita gente sonega imposto. Meu objetivo é não pagar imposto, nem no holerite.
Não sei como seria isso, mas me parece papinho de alienado que não faz a menor ideia para que servem impostos e se limitou a repetir feito papagaio de pirata algum meme liberalzinho que ele leu no whatsapp.
- Então você acha que pelo fato de haver gente sonegando bastante, em vez de melhorar os mecanismos contra sonegação, o melhor a se fazer é liberar a sonegação de vez?
- Não, tem que combater a sonegação.
Daí, dou um desconto pra ele.
- Mas você tem razão: enquanto o governo faz esses programas para tentar diminuir a sonegação, o grosso dela vem de empresas, principalmente as maiores, que simplesmente não pagam imposto, dão calote na cara dura, porque sabem que daqui a pouco o governo vai abrir um programa pra perdoar esses calotes, enquanto que nós, os pobres, pagamos impostos por bem ou por mal.
Ele parece animado por finalmente eu concordar com ele. Mas não terminei.
- Mas sabe qual o problema? O problema é que justamente esse pessoal que sonega o grosso do imposto é que fica buzinando na sua orelha “culpa do PT” e você, sem olhar o todo, cai feito patinho nessa conversa. No final das contas, você toma no rabo e ainda faz o jogo sujo dos que realmente estão sendo beneficiados porque eles lançam essa cortina de fumaça para desviar sua atenção do que realmente interessa pra você. Porque, na sua cabeça é bem simples, a culpa é do PT, mas o buraco na realidade é bem mais embaixo.
Olha, que cansativo, viu?
Mas essa visão simplista e alienada não é exclusividade do frentista do posto de gasolina. É generalizada. Uma tristeza.

sábado, 14 de setembro de 2019

Seja um pseudo-intelectual de merda


Estou assistindo a série Explicando na Netflix e em alguns episódios de questões científicas eles colocam algumas informações que fogem do senso comum e que, por algum motivo eu penso: ué, mas isso é óbvio! Como eu sei que é óbvio? Sei lá. Só sei que é assim.

Não é bem assim e isso tem a ver com outra questão abordada na série, inclusive: nossa memória. Obviamente que eu já li tanto livro bom, tanta informação boa e embasada que não me lembro mais de onde veio a grande maioria das ideias que me parecem óbvias e que muitas vezes se chocam com o senso comum. Ou seja, não sou um iluminado. Apenas uma pessoa que lê bastante. E lê coisas boas.

Nas minhas interações em redes sociais com amigos ou nem tão amigos assim, um tipo de xingamento que recebo de forma recorrente é o de “pseudo-intelectual”. Em vez de me ofender, eu me divirto à beça. Mas esse tipo de xingamento tem uma explicação. Quando meu interlocutor expõe uma explicação simplória de um determinado fenômeno, eu contesto e sugiro que a realidade pode ser mais complexa que sua leitura simplista, em vez de pensar seriamente no que estou propondo, meu interlocutor se ofende e só lhe resta devolver a ofensa: seu pseudo-intelectualzinho de merda!

Isso sugere outra coisa: arrogância do meu interlocutor, xingamento que eu recebo com bastante frequência também. Sim, ainda que a arrogância seja pedante, na medida em que o arrogante se julgue melhor, penso que se recusar a investigar o argumento do outro sugere uma crença tão grande na superioridade do seu argumento que só lhe resta desprezar o argumento alheio, considerado desprezível: isso é arrogância. E nada melhor do que desprezar insultando: quem você pensa que é? Se julga um intelectual? Você é um nada, não passa de um pseudo-intelectual.

Ou então a reação pode significar outra coisa: sentimento de inferioridade. Na incapacidade de refutar o pensamento diferente e na sensação de que isso o torna inferior, só resta ao interlocutor ofender o outro, de forma a compensar seu sentimento de inferioridade.

Eu já perdi as contas em que discuti com outras pessoas e elas apresentaram argumentos muito mais consistentes que o meu. Às vezes até passei vergonha com meus argumentos frente à superioridade da argumentação de alguns dos meus interlocutores. O que eu fiz? Como não sofro complexo de inferioridade nem me julgo tão arrogante como algumas pessoas acreditam, me pus no exercício de entender melhor o que meu interlocutor dizia e, na maioria das vezes, joguei fora minha forma de pensar e adotei a do meu interlocutor porque me pareceu bem mais razoável.

Obviamente que todo esse exercício dá trabalho e exige esforço. É mais fácil digerir e ruminar visões simplórias e bovinas da realidade. E é por isso que estamos metidos em um Brasil medieval, autoritário, anti-intelectual e religiosamente obscurantista em pleno século XXI.

Então, se eu puder dar uma sugestão, tente se tornar em um “pseudo-intelectual de merda”. Dá um pouco de trabalho, mas é compensador. Dois hábitos são fundamentais:


  1. Ser um amante do conhecimento e devorador de bons livros
  2. Nunca se sentir ofendido com uma visão mais complexa da realidade: a realidade é complexa e somente análises mais complexas dão conta dela, não aquelas correntes de memes de whatsapp.


quinta-feira, 12 de setembro de 2019

Sobre o sistema de saúde nos EUA


De uma conversa com amigos no Whatsapp

*** Amigo 1 comentando imagem que ele publicou ***
A gente reclama do SUS (que tem seus problemas), mas está ae um ponto que estamos anos luz a frente dos gringos

*** Amigo 2 ***
Apesar de toda a corrupção que existe nesses programas de saúde aqui no Brasil
E não é pouco, como tudo aqui, infelizmente
Eu tenho que admitir que é algo bom
Meu cunhado tem esclerose múltipla
A medicação pra compra custaria 20.000 por mês
Um casal de amigos da minha esposa, a filha deles faz um tratamento com uma medição que custaria 2.000.000 ano
Tem muito Brasileiro que vai morar fora e por causa do custo dessas medicações voltam pra cá

*** Amigo 1 ***
Caraca... e olha que eu já estava admirado com o que tenho na minha bolha que é minha mãe com a medicação pra diabetes dela...
Esses casos ae são ainda mais impressionantes

*** Eu ***
O Brasil possui o maior programa de saúde pública do mundo. Por conta das sua dimensão continental. Por ser um país pobre tão grande, é um enorme desafio fazer esse sistema funcionar e, por isso mesmo, é um grande feito.

Os EUA são a maior máquina de propaganda do mundo. O “way of life”norteamericano é uma ilusão muito bem vendida por esse sistema propagandístico e pela indústria cultural, em especial o cinema. Na realidade, os EUA são o pais “mais capitalista” do mundo e o “mais” implica no radicalismo do capitalismo. Ou seja, no limite zero influência nos governos na sociedade para balancear as distorções do capitalismo.

E que distorções são essas? Simples: quanto mais dinheiro você acumula, mais capacidade você tem de acumular capital e cada vez mais você transfere o dinheiro dos mais pobres para você. Essa ideia levada ao radicalismo implica em um estado totalmente descompromissado com a sociedade. Então, se vc tem dinheiro para pagar médico, beleza. Se não tem, morre. E as empresas de saúde são apenas empresas capitalistas cujo objetivo é dar lucro aos acionistas (ideia do mercado de ações levada ao extremismo: maior lucro no menor tempo possível).

A ANS praticamente nas mãos dos capitalistas do sistema privado de medicina tem como objetivo o modelo norte-americano onde a saúde é apenas uma mercadoria explorada por capitalistas objetivando o maior lucro possível (o custo disso são vidas humanas pobres perdidas, o que é natural na lógica do capitalismo selvagem onde você vale pelo que possui e não porque é um ser humano). Da mesma forma que existe um grande esforço em tornar a educação apenas mais uma mercadoria a ser explorada por capitalistas visando o maior lucro possível. Esses dois casos são exemplos acabados da total distorção e alienação do real objetivo da saúde e educação, que deveriam ser serviços de qualidade oferecidos à sociedade de forma mais igualitária possível cujo esforço é transformar em mera mercadoria a ser explorada para auferir o maior lucro possível a quem oferece os serviços e paga quem tiver condições, perpetuando e aprofundando ainda mais a extrema desigualdade social e de renda do país.

Países que desenvolveram capitalismos mais sadios, como os países europeus, possuem todos os mecanismos do capitalismo e um estado que garante serviços sociais a toda sociedade partindo da ideia de que a riqueza gerada na sociedade é produzida por todos e deve ser compartilhada por todos e não concentrada nas mãos daqueles que desenvolveram mecanismos poderosos para transferência de riqueza.

E o que acontece no Brasil? Como nos EUA, o brasileiro médio é um estúpido pouco afeito ao conhecimento. Então ele vive nesse estado eterno de ignorância e infantilidade que enxerga o mundo de forma maniqueísta: tudo o que se parece com a eficiente propaganda “meritória” dos EUA é bom e deve ser absorvido sem fazer qualquer tipo de crítica. Tudo o que difere disso é coisa de comunista e deve ser rejeitado sob o risco de o Brasil virar uma ditadura comunista. Pegue qualquer programa social que funcione em sociedade mais desenvolvidas da Europa e sugira aqui no Brasil para ver a reação do pobre de direita médio (talvez a maioria dos brasileiros): o sujeito vai ter urticária dizendo que é coisa de comunista que quer acabar com a família, deus e a propriedade.

Aí fica difícil, né? Kkkkkkkkkkkkkkkkkkk

Para conhecer um pouco mais sobre a revoltante indústria de saúde nos EUA e que estão implantando aos poucos no Brasil, assista esse tenebroso documentário do Michael Moore: https://www.youtube.com/watch?v=VoBleMNAwUg

Para conhecer um pouco mais sobre os pés de barro da propaganda do “way of life”, assista esse documentário do Noam Chomsky, professor do MIT e um dos mais respeitados filósofos vivos: https://www.youtube.com/watch?v=VoBleMNAwUg

Para conhecer um pouco melhor sobre o motor da economia e que explcia muito disso que estou dizendo, leia essa “bíblia” do capitalismo moderno, um livro que já nasceu clássico e erigiu Piketty como uma das maiores autoridades no tema: https://www.amazon.com.br/Capital-no-S%C3%A9cu…/…/8580575818

(Essa obra, que já se tornou uma referência entre os estudos econômicos, contribui para renovar inteiramente nossa compreensão sobre a dinâmica do capitalismo ao colocar sua contradição fundamental na relação entre o crescimento econômico e o rendimento do capital. O capital no século XXI nos obriga a refletir profundamente sobre as questões mais prementes de nosso tempo.

“Piketty transformou nosso discurso econômico; jamais voltaremos a falar sobre renda e desigualdade da maneira que fazíamos.” - Paul Krugman (Prêmio Nobel de Economia), The New York Times

“Um livro seminal sobre a evolução econômico-social do planeta... Uma obra-prima.” - Emmanuel Todd, Marianne)

sábado, 7 de setembro de 2019

Filósofo e religioso diante do avanço científico e dos costumes

(ou sobre o Brasil religioso-fundamentalista que tem dificuldade em se adaptar ao novo) Diante de uma nova descoberta científica, um novo avanço tecnológico qualquer ou ainda de costumes, o filósofo diz “Que interessante! Que desafios éticos e morais isso pode propor! Reflitamos sobre isso.” E se põe a pensar, a questionar, a investigar no saber previamente acumulado quase sempre consciente de que seus preconceitos e carga cultural terão poder de influenciar nas suas conclusões. Dessa forma o pensamento filosófico vai se expandindo. Diante de uma nova descoberta científica, um novo avanço tecnológico qualquer ou ainda de costumes, o religioso diz “Hum... que negócio estranho é esse? Deixa-me ver o que meu livro sagrado tem a dizer.” E se debruça sobre o livro religioso (ou o saber armazenado de outra forma) que foi cristalizado provavelmente há milhares de anos por pessoas que acreditavam piamente que sua divindade soprava em seus ouvidos a revelação dos segredos do universo. Tal pesquisa será influenciada por sua leitura particular decorrente de seus preconceitos e carga cultural quase sempre inconscientes para ele. Se der sorte, num exercício a la Nostradamus, ele encontrará algo no seu oráculo milenar que possa se adaptar à nova realidade e dirá, exultante: “Já estava registrado na profecia!” Se não der essa sorte, provavelmente iniciará uma nova caça às bruxas.

segunda-feira, 26 de agosto de 2019

Esopo e o autoritarismo obscurantista religioso-bolsonariano brasileiro

Anos atrás, quando meus amigos evangélicos pensadores me diziam que o Brasil corria o risco de cair numa ditadura obscurantista evangélica, eu dizia: “Calma lá, amigos! Não acredito que essas ideias retrógradas terão espaço no Brasil! Temos muita gente civilizada!” Hoje, com a possibilidade de o Brasil se tornar uma teocracia evangélica nos moldes iranianos, devo reconhecer que apostei demais na nossa suposta civilidade.

No período eleitoral, quando Bolsonaro crescia assustadoramente do episódio obscuro da facada, eu dizia aos meus amigos mais catastrofistas: “Calma lá, amigos! Bolsonaro é um falastrão imbecil! Ele chegará ao poder e será enquadrado pelo establishment! Ainda que o establishment político brasileiro seja muito ruim, as forças políticas tradicionais não deixarão que ele instaure seu regime de barbárie!” Devo reconhecer, novamente, que fui muito otimista e acreditei demais na nossa suposta civilidade.

Lembrei-me desses episódios ao ler trechos do livro “Quando as democracias morrem”, de Steven Levitsky, quando cita abomináveis autocratas do século XX, grupo a que Bolsonaro está se tornando aos poucos um “venerável” candidato:

Surgira uma séria disputa entre o cavalo e o javali; então, o cavalo foi a um caçador e pediu ajuda para se vingar. O caçador concordou, mas disse: “Se deseja derrotar o javali, você deve permitir que eu ponha esta peça de ferro entre as suas mandíbulas, para que possa guiá-lo com estas rédeas, e que coloque esta sela nas suas costas, para que possa me manter firme enquanto seguimos o inimigo.” O cavalo aceitou as condições e o caçador logo o selou e bridou. Assim, com a ajuda do caçador, o cavalo logo venceu o javali, e então disse: “Agora, desça e retire essas coisas da minha boca e das minhas costas.” “Não tão rápido, amigo”, disse o caçador. “Eu o tenho sob minhas rédeas e esporas, e por enquanto prefiro mantê-lo assim.”
(...)
Com a ordem política restaurada pela nomeação de Mussolini e o socialismo em retirada, o mercado de ações italiano subiu fragorosamente. Estadistas mais velhos do establishment liberal, como Giovanni Giolitti e Antonio Salandra, se viram aplaudindo a virada dos acontecimentos. Eles encaravam Mussolini como um aliado útil. Contudo, como o cavalo da fábula de Esopo, a Itália logo se viu sob rédeas e esporas. Versões semelhantes dessa história se repetiram em todo o mundo ao longo do último século. Um elenco de outsiders políticos, incluindo Adolf Hitler, Alberto Fujimori no Peru e Hugo Chávez na Venezuela, chegou ao poder da mesma maneira: a partir de dentro, via eleições ou alianças com figuras políticas poderosas. Em cada caso, as elites acreditaram que o convite para exercer o poder conteria o outsider, levando a uma restauração do controle pelos políticos estabelecidos. Contudo, seus planos saíram pela culatra. Uma mistura letal de ambição, medo e cálculos equivocados conspirou para levá-las ao mesmo erro: entregar condescendentemente as chaves do poder a um autocrata em construção.

sexta-feira, 2 de agosto de 2019

Não há limite de idade para a arte

Na Fundação das Artes:
- Pai, lembra que no teatro vieram várias pessoas me dar parabéns?
- Lembro.
- Lembra que veio uma senhora sozinha me dar parabéns?
- Lembro - menti.
- Ela está aqui hoje e falou comigo.
- Ah, é? Que legal!
- Ela me disse uma coisa que me deixou com muita vergonha.
- É mesmo? O que foi?
- Ela me disse: "Parabéns de novo, viu? Gostei muito de ver você tocando piano! Gostei tanto que resolvi aprender a tocar piano."
- Nossa, Felipe, que legal!!!

sábado, 13 de julho de 2019

Dois momentos épicos na feira

Momento 1

Parei na barraca de bananas para comprar uma dúzia de banana nanica. Um cliente, do lado de dentro da barraca, desenvolvia um diálogo bem solto com o feirante:
- Casal pra mim é homem e mulher!
E descrevia o acontecido, que um casal homossexual queria um desconto porque algum restaurante dizia que casal tinha desconto. Onde já se viu? Casal é homem e mulher. Quer se beijar? Não faça em público. E todas aquelas baboseiras típicas homofóbicas.
Queria fugir do estereótipo, mas era tão estereotipado que não consigo: um distinto senhor branco, bem vestido, de olhos azuis. O típico “cidadão de bem”.
Eu paguei e fiquei ali, do outro lado da barraca, postado, com aquele comichão: sacaneio ou não? Scaneio ou não?
Daí, o distinto senhor, vendo meu interesse, resolveu deixar a bola quicando bem em frente o gol para eu chutar:
- Foi num restaurante aqui em cima. Estava escrito que “casal tinha desconto” e dois homossexuais queriam desconto. Deu a maior confusão.
- Então... sou homossexual, casado. Eu faço um casal com meu marido. Se eu fosse nesse restaurante, iria exigir desconto também.
- Mas se você e sua esposa...
- Esposa não!!! Ma-ri-do!!! Ele é meu marido.
Visivelmente constrangido, nem terminou o que ia dizer.
- Pra você eu posso não ser um casal com meu marido. Mas eu formo um casal, sim!
- Mas o erro foi do restaurante... A culpa nem é do garçom. Eles deveriam ter colocado que duas pessoas juntas tinham desconto.
Fiquei impressionado com a mudança repentina de discurso. Até parecia uma pegadinha. AHAHAHAHAHAH! Na realidade era. A ocasiãozinha faz a pegadinha. Nossa, que rima tosca!
- Complicado – respondi – mas entendo a dificuldade. Talvez colocar “duas pessoas têm desconto” evitaria esse tipo de situação.
Resolvi não provocar mais porque a sacanagem já tinha sido completada, o senhor já estava visivelmente constrangido, os feirantes meio em suspenso. Com um sorriso amarelo ele capitulou, talvez na tentativa de não me provocar mais e sair daquela situação constrangedora o quanto antes:
- Estamos avançando aos poucos.
- Verdade, aos poucos estamos superando esses preconceitos.
E fiz menção de me retirar.
- Tudo de bom.
- Pro senhor também.

Momento 2

Na barraca de frutas onde tradicionalmente me abasteço, falei com o dono da barraca:
- Vi você ontem!
- Ontem? Não, impossível!
- Eu te vi, sim!
- Ontem não!
Pensei um pouco, recapitulei...
- Ah... verdade! Foi na quinta!
- Na quinta eu faço feira ali perto da Atlântica.
- Isso mesmo. Sabe a José Lins do Rego? Eu estava passando por ela e você, na transversal, estava esperando para entrar.
- Ah... sim, era eu mesmo!
- Tinha um monte de cara com você. Eu até pensei: nossa, esse cara só anda com macho!
O feirante do seu lado começou a sacanea-lo. Ele respondeu:
- Nem todos! Esse aqui é meio macho!
- Ah, sim... Aí já não sei... Ele até que tem cara de macho, hein?
O feirante dono da barraca sacaneou o feirante do lado. E concluiu.
- Sexta em nem saí de casa.
Gargalhei.
- Ahahahahahahah! Putz, suou frio agora, hein?
Foi a vez do feirante do lado sacaneá-lo, sem dó.
Fui embora dando risada.

sábado, 22 de junho de 2019

Grito de Alerta - Gonzaguinha

A Flávia está ouvindo Gonzaguinha. De repente começa a tocar uma música. Ao longo da minha vida, se escutei essa música umas 5 vezes foi muito.

Mas eu sabia a música inteira. Cantei junto.

Voltei mais de 35 anos no tempo, quando era garoto e não ouvia música no rádio porque música ”do mundo” era pecado.

Mas já haviam inventado as partituras musicais e eu tinha uma espetacular coleção de música brasileira impecavelmente arranjada para violão. Foi onde aprendi a tocar violão de forma autodidata.

As músicas eram maravilhosas.

Uma delas era "Grito de alerta”, que depois de solfejar e descobrir eu mesmo a melodia, cantava e tocava violão.

E tantas músicas maravilhosas do nosso cancioneiro aprendi assim. Até os 20 anos, todo meu conhecimento de música popular era quase que inteiramente decorrente da leitura de partituras.

Tanto que, em boa parte das músicas, a letra que eu conhecia eram as notas musicais solfejadas.

sexta-feira, 21 de junho de 2019

A marcha e a mídia

Nunca fui à marcha, nunca gostei, e estava me lembrando do passado, no início dos anos 2000, quando adolescentes do Cifra, um coro jovem que eu regia, iam todos os anos, entusiasmados. Eles ficavam muito felizes e eu, olhando de longe, o único reparo que fazia – de indignação –era o fato de a grande mídia ignorar solenemente o evento. Era uma inequívoca demonstração do desprezo pelos evangélicos.

Nunca gostei da marcha, sempre a considerei desnecessária pelo fato de acreditar que a fé pode - e deve - ser afirmada de outras maneiras. Mas... se as pessoas estavam indo para as ruas, o mínimo que a imprensa deveria fazer era noticiar. Ao contrário, boicotava sistematicamente.

Hoje pela manhã, assisti com um sorriso irônico no rosto a TV Globo fazendo uma cobertura para lá de empolgada do evento.

É... finalmente a "bispa" Sônia venceu: "O Brasil é do Senhor Jesuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuussssssssssssss!!!!!!!!!!!!!!!!!!"

Mas eu ainda fico aqui, cofiando minha barba e, como sempre, olhando tudo isso de forma bem desconfiada. Isso inclui a visita de um presidente da república de extrema-direita, esquizofrênico, que investe pesado em um discurso moralista religioso para arregimentar soldados para sua "guerra cultural" particular.

A conclusão que eu chego é que, quando mais a marcha se aproxima do poder, quanto mais ela atrai todo o tipo de gente oportunista como Bolsonaro e Doria, quanto mais ela é encampada por lideranças evangélicas duvidosas, midiáticas no pior sentido, quanto mais ela cresce e vai se tornando a expressão de uma desejada hegemonia evangélica, menos de Jesus ela é.

Se nos anos 2000 eu já ficava meio desconfiado se Jesus tinha realmente a ver com aquilo, agora então... difícil, hein?

Eu não vi Jesus nas fotos. Eu vi uma multidão de gente – a maioria gente sincera, penso – liderada por uma quadrilha de malfeitores que sabe utilizar bem o aparato midiático e de poder para manter essas pessoas como um grande “rebanho” feliz, mas marcado pela posse mental e roubado, em grande parte, da sua consciência política na medida em que repetem chavões vazios.



segunda-feira, 17 de junho de 2019

Aqui não é favela

Noticiário da TV.
Vargem Grande Paulista.
Peguei o noticiário pela metade, mas parece que os assaltos no bairro, talvez em uma rua específica, estão muito altos. Moradores reféns da violência.
A prefeitura, no típico desrespeito ao cidadão que é o padrão de resposta das autoridades, em vez de ativar a inteligência policial, aumentar as rondas policiais, ou sabe-se lá que outras medidas, resolve dar a “solução” mais porca possível: colocou grandes pedras nos dois extremos da rua.
Além de não resolver o problema porque os bandidos conseguem continuar acessando a rua de motocicleta, os veículos dos moradores não podem chegar até suas casas.
Repórter entrevista um cidadão justamente indignado que faz um apelo ao prefeito. Enfim, chama-o à responsabilidade, à razão, protesta com muito fundamento pelo fato de que a medida porca e desastrosa da prefeitura limita o direito de ir e vir dos moradores da rua. E conclui sua fala:
- Aqui não é favela!
Oi?

domingo, 16 de junho de 2019

Lionel Shriver e a forma

Anos atrás, quando estava na crista da onda, li o livro “Precisamos falar sobre Kevin”. Foi uma das experiências literárias mais agradáveis dos últimos tempos. Além da maneira como a escritora formata a narrativa – cada capítulo é uma carta que a protagonista escreve ao marido rememorando cada detalhe de suas vidas ao longo do tempo, numa tentativa de compreender o que havia acontecido em suas vidas – a prosa da escritora é sempre muito afiada, com um humor muito sagaz, fino e uma crítica mordaz à cultura norte-americana. Confesso que, independente da trama que ela construiu de uma maneira que beirou a perfeição (cujo filme, apesar do imenso sucesso, é um pálido reflexo da força do romance), ler o livro foi delicioso pelo seu aspecto, digamos, formal.

Há muitos anos li uma frase, infelizmente perdida, que acredito ter sido escrita por Eça de Queiroz, onde ele dizia que o verdadeiro amante da literatura a ama pela forma, não pelo conteúdo. Aquela frase, provavelmente parafraseada aqui, causou-me identificação e felicidade imediatas. Superados os meus verdes anos, onde eu lia qualquer coisa que caía nas minhas mãos, hoje minhas escolhas literárias são um pouco mais seletivas (com algumas exceções que concedo aqui e acolá em consideração a quem me indicou), hoje prefiro leituras que, do ponto de vista da forma, da narrativa, da escrita, me encha os olhos, me faça prender o fôlego, palpitar, não pelo desenrolar envolvente dos mistérios e desdobramentos de um “thriller”, mas pela a elegância das palavras, das frases, do o senso de humor que se esconde por trás das sentenças, da polissemia. Por esse motivo, livros herméticos para a maioria das pessoas, como Grandes Sertão-Veredas (Guimarães Rosa) e Ulisses (James Joyce), para citar dos exemplos supremos, representaram para mim ao mesmo tempo desafio e um imenso prazer ao enfrentá-los.

Voltando a Lionel Shriver, nunca li análises a respeito de sua obra, mas o segundo livro dela que estou lendo, Tempo é Dinheiro, por sugestão da Alessandra Correia, independente de onde me leve a história, sinto-me diante novamente de um texto muito rico, desafiador, delicioso de se ler. Nem de longe é um desafio como Guimarães Rosa ou James Joyce, mas possui, para mim, aquela elegância, sutileza, sagacidade e mordacidade que me encantaram em Precisamos falar sobre Kevin.

Taí uma escritora para ser saboreada pelos amantes da literatura.

sábado, 15 de junho de 2019

O brasileiro morista é um caso perdido

Quando começou o show midiático da LavaJato e dos movimentos do impeachment, a minha aflição era muito grande. Eu ficava desesperado ao ver hordas de brasileiros imbecilizados diante da flagrante – para mim – manipulação da realidade. Conhecendo o Brasil que eu conheço, era impossível que aquela unanimidade avassaladora da grande mídia e da República de Curitiba não fosse algo orquestrado. NÃO TINHA COMO! Eu dizia que não precisava ser muito esperto para perceber isso; bastava ter senso crítico mais apurado.

Cheguei a chamar os brasileiros de burros, no que fui duramente criticado por alguns familiares e alguns amigos. Mas, na minha análise, só um nível de burrice muito grande justificaria aquele comportamento tão bovino da grande massa.

Cansei de dizer para meus amigos que o tempo mostraria que eles estavam enganados e vítimas de uma grande manipulação midiática, como sói acontecer no país desde que temos mídia organizada.

Agora com esses vazamentos, está mais do que provado que minha leitura estava correta e que a maioria dos brasileiros caiu no conto do vigário.

O que deveriam fazer esses brasileiros? Reconhecer e tentarem ser mais espertos, mais críticos, mais céticos da próxima vez.

Mas o que estou vendo acontecer é algo totalmente incompreensível para mim: uma grande parte dos brasileiros entrou em um estado catatônico de negação e está fazendo todo tipo de ginástica para negar as evidências que os vazamentos demonstram. Sem falar que simplesmente ignoram quaisquer princípios éticos para manterem a defesa do indefensável e, cacete!, se julgarem moralmente superiores a quem nunca caiu nesse conto porque eles, sim, estariam lutando contra a corrupção e imoralidade e quem é crítico e não aceita ser manipulado estaria defendendo criminosos.

Olha, vou falar uma coisa, viu? Definitivamente, uma parcela dos brasileiros não tem solução. Se não conseguirem aprender dessa vez, meu diagnóstico de alguns anos atrás quando os chamei de burros está mais do que confirmado.

quinta-feira, 13 de junho de 2019

Sobre fé e falta dela

Ontem recebi em casa um motoqueiro que entregava um livro da TAG, clube que a Flávia participa.
Meu nome, Obadias de Deus, inspirou uma conversa com ele. Quis saber se eu era evangélico.
Respondi que sim, de tradição evangélica.
Tradição? Mas você não frequenta a igreja?
Não mais.
Ele quis saber o motivo.
Fiz uma pequena digressão explicando que, apesar de ser de uma família tradicionalmente evangélica, de pastores inclusive, sempre tive um perfil mais reflexivo, contestador que provocaram em mim, ao longo do tempo, um descolamento das crenças dogmáticas religiosas. Em algum momento eu já não via mais muito sentido frequentar uma igreja. Então deixei de frequentar.
Ele então me contou sua experiência. Disse que também frequentava a igreja evangélica, mas que se afastou. Fez um pequeno resumo da sua história, basicamente filho de um presidiário, o que na época da sua infância era um estigma muito grande. Hoje não é mais, disse ele. Enfim, perdeu o pai e a mãe quando ainda era garoto. E anos mais tarde, perdeu também o irmão mais velho. Foi criado pelos tios.
Seu relato sugeriu que ele perdeu os pais e o irmão para o crime. Uma história muito triste.
Em certo momento ele disse que se questionava que pecado ele teria cometido para merecer isso. Eu lhe disse que não se tratava de pecado nenhum. Que a vida castiga muitos de nós, alguns bem mais que outros, o caso dele, infelizmente.
Ele disse que apesar de ver um monte de problemas na igreja, ainda acreditava em Deus. Eu lhe disse que o importante é que cada um viva bem resolvido com sua fé. Ou com a falta dela.
Ele disse também que acredita que, se não fosse o convívio religioso, teria se perdido também. Eu lhe disse então que essa é uma das características mais importantes e positivas de uma fé religiosa e do cristianismo em particular: o senso de comunidade, onde as pessoas cuidam uma das outras e, de alguma forma, se salvam da destruição.
Ele disse então que lamentava muito pelos seus pais que tiveram o fim que tiveram, que eles pagaram pelo que fizeram. Ele chegou a dizer que o que fazemos, pagamos aqui mesmo. Eu não discordei e acrescentei que o que acontece conosco muitas vezes é resultado das escolhas que fazemos.
O papo estava bom e ele resolveu interromper porque havia outras entregas a fazer. Não deu tempo de eu concluir meu raciocínio que era: mas mesmo que nossas tragédias pareçam ser apenas resultados de nossas más escolhas, muitas vezes apanhamos tanto da vida que não nos resta outra alternativa a não ser fazermos muita merda. Talvez numa sugestão para que ele fosse um pouco mais condescendente com seus pais, afinal, mesmo aquelas pessoas que fazem muita merda na vida, muitas vezes estão errando tentando fazer a coisa certa. Mas infelizmente não deu tempo.
Ele me deu um abraço, subiu na sua moto e foi para sua próxima entrega.

Em mim, além do sentimento de solidariedade com aquela história triste, ficou ressoando o seguinte:

É sempre um grande desafio aceitarmos as tragédias da vida
Se a fé nos ajuda a superar essas tragédias e nos tornarmos pessoas melhores, mais humanas, melhor resolvidas, ela é boa
Se a fé atrapalha ou nos faz insensíveis às dores do outro, seja pelo motivo que for, se nos faz sentir melhores que o outro, ela é má
O mesmo se aplica à falta de fé
Não vejo mérito algum em ter ou não ter fé
Se há algum mérito nisso tudo é o que fazemos de bom da nossa fé ou da falta dela
Isso sim, é o que importa.

sábado, 8 de junho de 2019

Bauhaus-Brasilis

Estava vendo um programa aqui com a Flavia, enquanto almoçava, sobre os 100 anos da Bauhaus (Casa de Construção), escola de artes, design e arquitetura de vanguarda na Alemanha. Daí comentei com a Flávia: - A Alemanha, na primeira metade do Século XX, influenciou fortemente o pensamento ocidental nas artes, , na música, na filosofia, na cultura em geral... É impressionante como um povo tão ilustrado tenha caído na roubada do nazismo. Vendo por essa perspectiva, eu até que desculpo os brasileiros e sua viagem lisérgica bolsonariana... Se nem os alemães escaparam de uma alucinação coletiva, o que dizer de um povo que se caracteriza pela baixa instrução, pelo desapego à leitura, ao conhecimento, pela crendice? Se pensarmos bem, considerando nosso perfil, até que não estamos fazendo muita merda, hein? kkkkkkkk

sexta-feira, 7 de junho de 2019

Lua, o mito, o monstro e o Ciro

Lula provavelmente passará para a História como o maior estadista que esse país já teve. A sua mística gigantesca é o que explica de um lado a devoção cega e de outro o ódio mortal que lhe são direcionados. É difícil enxergar Lula sem ser afetado profundamente por sua mística. O que, de certa forma, é uma pena.

Em que pese seu destempero e seus problemas, o que eu gosto em Ciro Gomes é que ele consegue enxergar Lula como um ser humano e suas contradições, quase sem se deixar influenciar, para o bem e para o mal, pelo magnetismo de sua mística.

sábado, 1 de junho de 2019

Lei da selva

Confesso que gosto de observar o comportamento das pessoas no trânsito. É no espaço público, especificamente no trânsito, que as pessoas realmente mostram quem são. Porque a posse de um automóvel tem o impressionante poder de nos desnudar. Basta estarmos na direção de um veículo e, para uma grande parcela de nós, é como se nos tornássemos todos-poderosos e tivéssemos salvo-conduto para submeter todas as demais pessoas aos nossos caprichos.

Existe uma regra básica no trânsito que diz que o maior dá preferência e protege o menor. Logo, um caminhão se preocuparia em proteger um carro de passeio e todos os demais veículos menores e pedestres; um veículo de passeio seria responsável por proteger motos, bicicletas e pedestres; e assim por diante. Mas, além desse fato inacreditável de que as pessoas se sentem poderosas e o pior delas se externa quando estão ao volante, ainda existe a questão da “justiça com as próprias mãos”. Fico pensando se o motorista de caminhão que tenta sobreviver com um salário de fome não se sente vingado quando quase atropela um bacana metido a besta em seu importado...

Essa semana eu interagi com 2 episódios no trânsito e soube de um terceiro que ilustram bem esses comportamentos. Vou narrá-los do mais recente para o mais antigo.

O PASSAMENTO

Há alguns dias, na escola em que meu caçula estuda, um pai de aluna estacionou seu carro na fila em frente ao colégio na hora da saída. Não gosto de ir naquele horário porque é complicado. Espero a poeira baixar e depois pego o Felipe que fica na escola conversando com seus colegas ou lendo seu livro. Dizem que o pai estacionou antes da faixa amarela, em frente a uma casa vizinha da escola. A dona da casa chegou instantes depois e buzinou solicitando que ele liberasse a entrada do portão. Contam que ele irritado, começou a xingar a mulher. O enteado dela, de 18 anos, vendo sua madrasta sendo xingada, não pensou duas vezes: armado de um pedaço de tábua, começou a surrar o veículo, pobrezinho, que não tinha nada a ver com a história. Mas sabe como é, né? Xinga meu pai de coxinha, minha mãe de empadinha, mas não encosta a mão no meu carro!!! O “cidadão de bem”, ferido no seu orgulho, fez o que todo “cidadão de bem” desarmado de uma arma de fogo mas armado de seu possante faria: jogou o carro em cima do rapaz, de ré, quase atropelando-o. Saiu, deu a volta no quarteirão, passou de novo pelo mesmo local e parou na esquina, mais adiante. Desceu do carro e, falando ao celular, esperou que sua filha saísse. O rapazote, cujo sangue ainda não tinha se deslocado dos olhos e voltado para o juízo de onde nunca deveria ter saído, continuou exercendo seu “direito” de não pensar duas vezes e avançou pra cima do cidadão bocudo. O cidadão, mais encorpado, grudou na mão desarmada do rapaz, deixando a outra livre para voar para onde quisesse.

E a mão armada com pedaço de tábua voou, claro. Resolver essas querelas com violência e xingamentos é coisa de gente pouco evoluída. Então seria bem triste (mas engraçado) se a tábua encontrasse descanso nas fuças do estúpido cidadão. Mas não... nessas horas, às vezes, aparece uma boa alma disposta a se sacrificar pelo bem da humanidade. Foi o que aconteceu nesse caso. O porteiro, meu amigo Anderson, assistindo o desenrolar dos fatos de forma privilegiada (juntamente com os demais pais assustados), ao perceber que os finalmentes não seriam nada amigáveis, tentou puxar o pai para dentro da escola, justamente no momento em que a tábua fazia sua derradeira (saberemos logo a seguir) e precisa viagem com aterrissagem nas fuças. E, de fato, a tábua se espatifou nas fuças... do Anderson e partiu daquela para melhor! Mas vejam que injustiça: nas fuças erradas! E acabou sobrando também para o infeliz dos óculos do Anderson que foram arremessados vários metros, mas como é sangue ruim, saíram ilesos do acidente (quem os vê com sua aparente fragilidade nem acredita que escapariam incólume de tamanha violência).

Feito um gêiser, o sangue lavou a cara do Anderson. Final da história: a polícia só apareceu 2 h depois, o garoto vizinho pediu mil desculpas ao Anderson porque a ideia era abater o cidadão, não ele, não sei que fim levou o cidadão marrudo e pouco me interessa, e a polícia disse ao Anderson que deveria ir à delegacia prestar queixa, o que ele evidentemente não fez porque iria perder, no mínimo, mais umas 2 horas. Aliás, a forma totalmente vazia de consideração com que somos tratados pela autoridade policial quando nos envolvemos em episódios de violência parece-me algo inaceitável, mas vou ficando por aqui mesmo.

Depois fiquei sabendo que a família ao lado da escola se mudou no dia seguinte ao entrevero, o que me deixou “semi” consternado. Mas daí me explicaram que eles eram inquilinos na casa e vizinhos problemáticos. Logo, a mudança repentina deles gerou um certo alívio na escola. Que coisa...

A TRAVESSIA

Um dia antes do passamento do pedaço de tábua, voltando sabe-se lá de onde, resolvi deixar o carro no lava-rápido porque estava nojento. Descia a Caminho do Pilar, perto de casa, passando em frente à Filinto de Almeida que desemboca na Caminho do Pilar. Havia bastante movimento e, metros à frente, depois da Filinto de Almeida, há uma faixa de pedestres. Notei que havia uma garota parada na faixa. Obviamente que é muito difícil os incivilizados motoristas darem passagem a pedestres naquela faixa. Eu então tratei de diminuir bastante minha velocidade e já estava prestes para dar sinal com o farol para a garota atravessar a rua e, de quebra, sinalizar para o motorista no sentido contrário fazer a civilizada gentileza de esperar a garota parar. No que eu diminuí a velocidade, digamos que de 30 para 15 Km/h, um carro que vinha saindo da Filinto de Almeida entrou na minha lateral. Eu acho que a pessoa que dirigia viu que eu vinha descendo, numa fração de segundos calculou o tempo que eu gastaria passando, olhou para o lado contrário, viu que dava tempo, entrou com tudo. Só que eu diminuí repentinamente a velocidade e quando a pessoa voltou a olhar para meu carro era tarde demais. Ploft! Essa é minha teoria.

Parei. Fiz um sinal com as mãos enquanto olhava pelo retrovisor... WTF? O trânsito parou nos dois sentidos. Nessa altura dos acontecimentos, Inês já estava prestes a ser enterrada, fui cuidar do que era realmente importante. Olhei para a garota e lhe disse: “pode atravessar!” Ela titubeou por uns instantes, um motoqueiro aproveitou o titubeio e passou como um raio entre os carros e a garota, superado o perigo do motoqueiro, ela resolveu atravessar. Foi o tempo para o trânsito dar uma desatravancada. O veículo que se viu obrigado a parar antes da faixa, não por conta da garota mas porque o carro “abalroou” o meu (esse termo sempre me pareceu horrível) tinha ficado uns  instantes atravessado na rua, se aproximou de mim no sentido contrário, o cidadão que o dirigia abaixou o vidro e torpedeou:
- Porra, mano, você fez esse furduncio todo só por causa dessa mina?
Confesso que fui pego de surpresa, não consegui raciocinar bem na hora e só me ocorreu dizer o seguinte:
- Cara, o trânsito está parado! Deixa a mina atravessar na faixa!
A garota que ainda terminava de atravessar em frente meu carro me olhou com um certo olhar de agradecimento e seguiu sua vida. O maluco motorista acelerou e sumiu, xingando-me.
Superado o idiota do sentido contrário, pensei com meus botões: agora só falta essa louca me xingar também! Já tinha visto que era uma mulher que dirigia o outro veículo. Estacionei mais adiante, ela estacionou próximo, era um carro japonês novo...
Veio uma japinha toda arrumada e perfumada (o crédito do perfume deve ser dado à minha imaginação), toda preocupada:
- Desculpa, moço... Amassou seu carro? Eu estava com pressa!
Olhei e percebi que ela tinha se chocado contra a roda do veículo (havia sinal do choque no pneu) e sobrou apenas um discreto risco na lataria.
- Ah... deu uma riscadinha aqui, mas não é nada!
- Ai... desculpe.
- Sem problemas! Vai em paz!
Ela me estendeu a mão, demos um aperto de mão e ela voltou toda encolhida no seu salto para o veículo, com minha bênção, em direção à superação do seu atraso.

A SELVA

No dia anterior voltava do trabalho da Flávia pela Thales dos Santos Freire, que a propósito dá na Caminho do Pilar, no sentido contrário. Eu a tinha deixado no trabalho como faço quase todos os dias. Naquele horário da manhã, no trecho próximo ao cruzamento com a Pereira Barreto, o trânsito é muito pesado. Quando está muito complicado, eu entro à direita e depois, lá embaixo, volto à esquerda, e retomo à Thales dos Santos Freire no seu último semáforo antes da Pereira Barreto.

Estava uma completa muvuca no semáforo, tanto que eu era o segundo na fila e quando o semáforo abriu pela última vez antes de eu poder entrar, somente o carro que estava na minha frente passou (o cara era lerdinho mesmo). Esperei minha vez. Enfim, quase sempre vigora a lei da selva. O semáforo abriu, os carros fechando o cruzamento ainda estavam parados até que começaram a andar. Tinha um bem na minha frente. Deixei passar. O outro aproveitou a deixa e fez “trenzinho” atrás. Deixei esse também. O terceiro também já foi indo como quem não queria nada. Aí nãããooo!!! Pessoal é folgado demais! Não deixei passar.  Forcei um pouco a entrada e bloqueei a passagem do carro. A pessoa ficou extremamente irritada. Ou então sua mão grudou de repente na buzina. Sei lá. E meu carro tem um problema: se alguém buzina de forma estúpida numa situação dessas, de repente ele fica bastante lento. É meu carro, não sou eu. Por favor...

Enfim, entrei na rua e o outro carro grudou atrás do meu. Beleza. Lá na frente, já perto do semáforo, mudei para a direita porque ia manter a direita mais adiante mesmo e o semáforo estava fechado. O carro emparelhou comigo, uma SUV, e a pessoa começou a abaixar o vidro. Pensei: eu mereço, viu? Mas resolvi não brigar. Assim que o vidro baixou completamente, eu cumprimentei, sorridente:
- Bom diaaaaaaaaa!
Era uma distinta senhora, elegantemente vestida:
- Pra que isso? Essa hora da manhã???
- Isso o quê?
- Pra que me fechar daquele jeito? Quase que bati o carro!
Mentira, estávamos bem devagar.
- Ué, você não viu que o semáforo já tinha fechado pra você?
- Não senhor! Você passou no vermelho!
- Eeeuuuuuuuu?
- Sim, senhor!
Bem, ficamos naquela alguns segundos até que eu disse: “ok, ok, passei no vermelho, não vamos brigar por isso!” Eu não iria discutir mais com aquela mulher.
Daí ela começou a me dar lição de moral!
- Você pensa que só você está atrasado? Blá blá blá!!!
Juro que eu fiquei de bobeira. Na hora eu pensei em dizer: não, eu moro aqui do lado e estou totalmente sem pressa. Mas não disse. E me arrependi depois, porque seria legal ver a cara da cidadã mais enfurecida ainda. Bem, pensando bem, foi melhor assim...
Juro também que, na hora, por um segundo, quase acreditei que a mulher tinha achado que eu tinha passado no vermelho mesmo.
No mesmo dia, mais tarde, quando fui buscar a Flavia, não peguei a rua lateral e fui pela Thales do Santos Freire, somente para verificar o ponto de observação do semáforo, para ver se a mulher tinha avançado tanto no cruzamento a ponto de não ver que o semáforo já tinha fechado para ela.
Infelizmente não era o caso: ela tinha total condição de ver o semáforo fechando. Ou a mulher surtou ou era muito cara de pau mesmo.
Eu, hein?

domingo, 26 de maio de 2019

Para quem, como eu, gosta de estatísticas


Acabei de descobrir que o Skoob tem um paginômetro. Considerando que ficaram de fora do Skoob algumas centenas de livros que li entre os 11 e 16 anos, eu teria lido, até hoje, 387 livros. Essa é uma estatística conservadora, já que dos 11 aos 15 eu costumava ler uns 2 livros por semana. Só nesse período eu teria lido cerca de 400 livros. Certamente não registrei nem metade deles no Skoob e até hoje de vez em quando me deparo com um livro que li e que ainda não tinha registrado. Estou considerando também os livros religiosos, teológicos e leitura enciclopédia que li nessa época e que não constam no Skoob. Por exemplo, aos 11 anos li uma enciclopédia de Psicologia com 5 volumes.

Então vou acrescentar mais 150 livros a essa estatística para deixá-la um pouco mais realista.

Os 387 livros, segundo o Skoob, representam 102.198 páginas. Se eu fosse acrescentar mais 150 livros, ficaríamos assim:

387 + 150 = 537
537 = 387 + 38,75%
102.198 + 37,75 = 141.809

Considerando que me tornei um leitor "compulsivo" a partir dos 8 anos mais ou menos e considerando que agora tenho 50, eu teria lido, aproximadamente, 9 páginas por dia, uma média considerável mesmo para mim hoje que tenho uma vida muito corrida.

Pensando em livros por mês, seria uma média constante de 1 livro por mês ao longo de 42 anos.

quarta-feira, 22 de maio de 2019

Primeiro arranjo do Felipe

Anteontem, na saída da aula da Fundação das Artes, ele me disse que na prática de grupo cantaram a música "Seu Lobato" (Old McDonald) e que ele tinha tocado o piano e improvisado um arranjo na hora.

Quando chegamos em casa ele me mostrou como tinha tocado, com cruzamento nas mãos e tudo o mais, e agora há pouco me mostrou a partitura finalizada do seu arranjo. escreveu tudo certinho.

Eu escrevi meu primeiro arranjo, para banda de música, lá pelos 12 anos, se não me falha a memória. ele começou aos 10 e estuda em uma escola de ponta (eu fazia auto-didaticamente). Está bem encaminhado!


segunda-feira, 20 de maio de 2019

As desvantagens de ser visível

Domingo à tarde, jogado no sofá com a Flávia. No término do episódio ela me perguntou:

- Pode ir à Coop, na farmácia, comprar uns remédios para mim?

No carro, a Cultura FM estava transmitindo um programa sobre o preto Joaquim Callado, considerado um dos pais do choro e pai dos chorões. Obviamente que ouvia atentamente enquanto dirigia, todo orgulhoso por esse preto tão importante na História da Música brasileira.

Na Coop, estacionei meu carro e, como quase sempre acontece quando estou ouvindo algo interessante, fiquei estacionado com o carro ligado até terminar o trecho interessante. Deixo o carro ligado porque, se desligá-lo, o rádio desliga também e eu perco o que estava ouvindo.

Enquanto ouvia, um senhor chegou dirigindo um Ford New Fiesta com placa de vende-se. Pensei com meus botões: “para quem pretende vender o carro, seria interessante se ele desse um banho no veículo, né?” Ele teve dificuldade de estacionar e depois de milhões de manobras, estacionou distante do veículo à sua direita e queimando a faixa à sua esquerda, reduzindo o espaço de estacionamento da vaga ao lado, o que me fez lembrar da irritação que me causa esse tipo de situação quando vou estacionar e vejo que o infeliz que estacionou antes de mim foi incapaz de estacionar no centro do seu espaço.

Ainda perdido nos meus pensamentos enquanto ouvia sobre Callado na Cultura FM, bastou o cidadão descer do seu veículo, que chegou outro para estacionar. Um imponente Honda branco, novo. Parou em frente meu veículo e começou a manobrar, de ré, para entrar na vaga apertada. Notei que era uma moça quem dirigia o tal veículo. E, coisa raríssima de se ver, era uma negona, bem negona mesmo! Confesso que, pela raridade do acontecimento, na hora fui invadido por um surto de felicidade. Puxa vida, que legal! É tão difícil de ver isso! Naquele momento em me sentia tão infinito quanto um garoto de 15 anos, sentado entre a bela Sam e Patrick, na picape dirigida por ela, enquanto ouviam uma canção maravilhosa sobre um cara.

Depois de estacionar, ela abriu a porta e desceu do veículo, claro. Debaixo para cima, equilibrava-se em uma sandália de salto agulha, vestia uma legging preta e uma blusa bastante estampada com um decote farto (e o decote tinha bastante espaço para poder expressar sua fartura), além de madeixas volumosas, cacheadas, a escorrer pelas costas. Lembrei-me rapidamente do episódio surreal nos Isteitis em que policiais levaram para a delegacia uma preta por não acreditarem que o carrão dirigido por ela era dela. Fiquei feliz por ver aquela mulher poderosa descendo do seu bólido alvo como a neve.

Como era de se esperar, ela foi caminhando vagarosamente rumo à entrada da Coop, e vagarosamente passou em frente do meu veículo estacionado com o motor ligado, enquanto eu, provavelmente com um sorriso nos lábios, alimentava meus ouvidos com os sons de Callado e meus olhos com aquela preta bem-sucedida, coisa rara. E ela passando vagarosamente defronte meu carro. De repente, talvez por estar o carro com o motor ligado, ela se vira e me vê dentro do veículo. Senti-me um Bucthe Coolidge Pardo parado em um semáforo dentro de uma película de Tarantino.

Era tarde demais para disfarçar. Ela já tinha percebido que eu a estava olhando. Eu tenho um protocolo: quando uma mulher me chama atenção, pelo motivo que seja, e de repente ela olha para mim, na fração de segundo imediatamente anterior eu disfarço, para não a submeter ao desconforto de perceber que havia um macho a observá-la. Considero essa situação extremamente desagradável para as mulheres. Outro dia estava caminhando pela Av. Pereira Barreto, 20 h, mochila nas costas, uma garota alguns passos à minha frente. Observei que ela a todo instante olhava disfarçadamente para trás. Que situação complicada! Apressei os passos e fiquei um pouco à frente dela, para liberá-la do desconforto e do medo da ideia de estar correndo o risco de ser atacada. Até pensei em pedir-lhe desculpas quando passasse por ela, mas evitei isso porque, aí sim, ela iria pensar que seus temores estavam se concretizando, ahahah! Tadinha...

Bem, voltando um pouco atrás no desenrolar dos fatos... a deusa africana desceu do seu veículo e, ao passar vagarosamente em frente do meu carro enquanto eu, provavelmente com um sorriso besta nos lábios, ouvia Callado (gostei do trocadilho). Tarde demais: pego de surpresa, não havia mais tempo para eu desviar o olhar, e preferia que ela não me visse fazendo tal gesto. Só me restou sustentar o olhar. Do jeito que eu estava, sabe-se lá qual era minha expressão facial. Ela me olhou por uma fração de segundos, nessa fração de segundos acho que tentei passar para ela a mensagem “meu, estou orgulhoso de você!”, receio que sem muito sucesso. Ela olhou para frente novamente e seguiu com seus passados ritmados.

Quando quase sumia do meu campo de visão, numa reviravolta digna de Tarantino, parou, deu alguns passos para trás, virou o dorso e ficou alguns segundos ostensivamente olhando para a placa do meu carro. Penso que, em tal gesto, ela estava me mandando uma mensagem:

- Se velho pervertido, pense bem no que está pensando, porque eu já memorizei a placa do seu carro, viu?

Eu já estava pronto para descer do veículo, mas, obviamente, esperei ela se distanciar. Porque a coisa mais constrangedora que eu poderia fazer naquele momento seria descer do veículo logo atrás dela, não é mesmo?

Depois de alguns instantes, fui eu deixar uma pequena fortuna na farmácia da Coop enquanto pensava nas desvantagens de ser uma mulher em um mundo machista.

(PS: ah, sim... como devolução da sua gentiliza de memorizar a placa do meu veículo, também memorizei o dela: fulano em português de Portugal + número de emergência da polícia)

sábado, 18 de maio de 2019

De longe dodo mundo é normal

- Só vai levar isso hoje?
- Não, eu já tinha passado aqui antes, mas tinha preferido comprar mamão na outra barraca. Mas desisti.
- Esse aqui tá filé.
- Tá bonito mesmo, mas o da outra banca estava mais verdinho. Eu preferia. Mas quando cheguei perto, desanimei.
- Tava feinho, né?
- Pois é. Estava igual a mim. Se me vê de longe: "é... dá pra encarar...", mas quando chega perto: PUTA QUE PARIU!

sexta-feira, 17 de maio de 2019

Memória de Petrushka e a velhice

Estou no quarto e ouço lá embaixo, na sala, o que o Felipe está ouvindo no Youtube. Ele sobe as escadas. - Pai, conhece Stravinsky? - Claro! Assobio o trecho que está tocando na TV e lhe digo: Petrushka. Ele fica surpreso que eu tenha "adivinhado" que música era. - Felipe, quando eu tinha 15 anos, quando recebi meu salário, a primeira coisa que fiz foi comprar dois discos daqueles grandões. Um com Sheherazade de Rimsky-Korsakov e outro com Petrushka de Stravinsky. - Você ainda tem esses "CDs grandões"? - Acho que não. Ele faz sua costumeira e quase interminável digressão sobre o assunto, pensando nas possibilidades do destino dos vinis, eu fico tentado a lhe dizer a diferença entre disco de vinil e CD mas prefiro não, ou terei que lidar com mais alguns minutos de digressões de sua mente criativa de 10 anos e, afinal, já deveríamos estar na cama. Ele desce as escadas e sobre algum tempo depois. - Pai, Petrushka começa assim: assobia as primeiras notas do balé. - Isso mesmo. - Eu conheço essa música faz tempo. Eu amo essa música! Fico pensando se não é mais uma viajada da sua mente fantasiosa ou se ele conhece há tempos mesmo. Até porque Petrushka não é uma composição popular. Mas ele deve ter se lembrado mesmo porque, lá embaixo, o piano segue tocando Petruska no Youtube e a frase inicial do balé não se repete ao longo da obra. Então ele se lembrou mesmo. Será que conheceu no Piano Tiles? Dei uma pesquisada hoje e não encontrei isso. Mas eu já ouvi Petrushka algumas vezes em casa e já comentei com ele. Será que ficou registrado na sua memória? Não sei... Preciso investigar melhor a questão. O interessante disso mesmo é algo que cada dia me espanta mais, na medida em que afundo aos poucos na minha areia movediça de sinapses cada vez mais precárias. Para eu me lembrar de uma coisa, hoje em dia, quase sempre preciso de algum estímulo forte. Hoje a Flavia Santos me perguntou se eu iria no evento amanhã. Que evento, o do Felipe? Deixa pra lá, ela respondeu. Deixei para lá por conta do estresse: era melhor não começar o dia com uma irritação desnecessária. Mas realmente não faço a menor ideia de que evento seria, e olha que gastei alguns minutos repassando o que eu faria amanhã. Lembrei-me de 2 possíveis eventos e citei o do Felipe porque era algo que eu tinha comentado com ela (vamos no sábado ao SESC ver a peça tal? O Felipe vai gostar). Mas não era esse o evento. Mas, se ela desse alguns detalhes, eu seria capaz de me lembrar. E esse evento pode ser algo que conversamos ontem, por exemplo. Eu posso simplesmente me esquecer totalmente. Daí vem um garoto de 10 anos e assobia o início de uma peça que não é popular, que tem uma melodia difícil, que raramente se toca e que ele mesmo deve ter ouvido pouquíssimas vezes? É, a velhice é uma desgraça mesmo... kkkkk

terça-feira, 14 de maio de 2019

Enciclopédia

Piano toca na Rádio Cultura FM
- Felipe, tem cara de Villa-Lobos, hein?
- É Villa-Lobos, pai: Saudades do Brasil No. 1.
Se o conhecimento enciclopédico do Vitor Gomes de Deus nos standards de jazz e no "vocal jazz" me deixaram comendo poeira há muito tempo, meu reinado no repertório pianístico está com os dias contados.
Resta-me, provisoriamente, o refúgio do bastião do repertório de bigbands e jazz mais "complicado" de um lado e um amplo conhecimento da música de concerto em geral, cultivado pela minha melomania desde os verdes anos. Nada que não possa ser superado nesse mundo de possibilidades de apreciação ilimitadas para quem se interessa pela arte.