quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Pequenos instantes de uma viagem

Tenho muitas histórias das minhas viagens pela América do Sul e México. Se tentasse escrever todas, acredito que os livros do mundo todo não seriam suficientes para contê-las. Certa vez, trocando e-mails com meu amigo “canadense” Gustavo, comentei sobre a capela existente no aeroporto de Cumbica, onde ele já teve seus momentos de reflexão em suas viagens Brasil-Canadá. Por sugestão dele, resolvi incluir uma adaptação do email que lhe enviei:

Nas minhas passagens pelo aeroporto de Cumbica, em Guarulhos-SP, sempre dou uma olhadela curiosa no movimento da capela daquele aeroporto para ver o que está acontecendo. No final de abril de 2007, os relatos mais interessantes da minha viagem começaram naquela capela, por onde passei antes de fazer o check-in.
Resolvi fazer meu check-in antes de voltar à capela, onde vira um rapaz tocando violão, com os olhos mirando hacia el más allá, enquanto um pequeno grupo o acompanhava.  Fiz o check-in na Varig. Não havia viajado mais de Varig depois da derrocada da companhia: que tristeza os balcões às moscas! Voltei para ver o que cantavam na capela, mas só encontrei o pessoal se despedindo. Aproveitei e fiz um lanchinho no mesmo restaurante em que, meses antes, juntamente com o Maurício D., me encontrara com o K-fé, de férias no Brasil. O Maurício D. é um talentoso compositor de trilhas e produtor fonográfico.
Era uma rápida viagem entre a Colômbia e a Argentina durante uma semana. Havia muito eu não voltava à minha quase segunda pátria, Colômbia, de forma que eu me sentia um tanto nostálgico. Mas o que valeu na viagem, mesmo, foram algumas figurinhas carimbadas que encontrei.

No voo de ida, meu companheiro de viagem era um funcionário da Petrobrás que desembarcou na escala de Manaus. Depois da quebra da Varig, parece que haviam descontinuado o voo direto a Bogotá, sem escalas. Ele me contou que trabalhava há anos em um projeto da Petrobrás, as filhas viviam em São Paulo, aonde ele ia a cada 15 dias visitá-las, e sua mulher trabalhava numa embaixada brasileira em Paris. Eita mundo moderno, globalizado e sem porteira!

Em Bogotá, numa empresa do ramo químico, a pessoa que me atendeu era uma simpaticíssima jovem, esposa de um roteirista de cinema que estava lançando um livro na tradicional Feria del libro, que existe na cidade que estava ocorrendo naquele fim de semana. Já deixei uns trocados por lá, em outra edição daquela feira. O lançamento tinha até direito a entrevista por um canal de televisão colombiano. Ela me contou que eles se casaram bem jovens. A identificação foi imediata porque um colega de trabalho que me precedera meses antes já havia a meu respeito, de forma que ela sabia que sou músico e que estava trabalhando num projeto de CD. Ela ouviu algumas das gravações do CD, gostou, pediu uma cópia para mostrar ao marido e ainda me recomendou ouvir Neri Per Caso, que eu já conhecia. Quanto ao marido, apesar da sua tenra idade, 34 anos, já estava bastante desanimado com as exigências do “mercado” que faziam com que seus roteiros fossem modificados. Eita mundo empobrecido!

Na minha volta de Bogotá, com destino à Argentina, tive que fazer escala no Brasil e embarcar em outro voo porque o pessoal havia se atrapalhado nas minhas reservas aéreas. Por conta disso, amarguei 6 horas de escala em Cumbica. Eu até poderia dar um pulinho em casa, tomar um café com a esposa e voltar ao aeroporto. Mas, como era feriado de 1º de maio, não quis derrubá-la cedo da cama. Depois ela me disse que teria feito o café com o maior prazer – essas mulheres, sempre tão atenciosas com seus maridos! A escala me rendeu uma nova interação, dessa vez com um cidadão que ia para um país africano, do qual não me recordo mais, com escala em São Paulo, uma vez que sua escala em Paris havia feito água. Ajudei-o na sua aflição, emprestando-lhe o número do meu CPF para ele comprar créditos do hot-spot da Telefônica, disponível no aeroporto. No aeroporto de Bogotá, na noite anterior, eu havia utilizado a internet sem fio de graça para baixar os emails que não havia conseguido baixar no Hotel Hacienda Royal, cuja conexão à internet era muito cara. O viajante ligou para a África (ou França – falou em inglês) a partir do Skype e sua filha aproveitou e fez uma ligação para o namorado que estava em Hong Kong. Eita mundo digitalizado, aldeia global da moléstia!

Em Buenos Aires, ajudei um hóspede do hotel a resolver um problema com seu email. Nesse hotel, o rapaz da recepção me passou num sussurro, quase olhando para os lados, a senha ultra-secreta para acessar a internet sem fio e gratuita do local: 1234567890. O hóspede do problema no email era da República Dominicana e estava no país para uma série de palestras. Ele se dizia amigo do presidente de seu país e que fora destacado para capitanear uma investigação com objetivo de acabar com uma corrupção endêmica na sua pátria. Não me lembro dos detalhes. Era separado e seus filhos dispunham de quatro ou sete guarda-costas, por aí. Ele, aos 42 anos, dizia dispensar guarda-costas porque sabia que, no caso de resolverem assassiná-lo, não seriam seus guarda-costas que impediriam. Eita mundo corrupto e cheio de republiquetas bananeiras!

Nessa sala de internet, onde ajudei o cidadão dominicano, havia um argentino consultando seu Orkut. Ao mesmo tempo, planejava com minha chefa na época alguns passos que daríamos nas reuniões dos dias seguintes. Havíamos nos encontrado naquele hotel, eu chegado da Colômbia, ela do Brasil. Falávamos baixinho para não importunar ninguém. Num determinado momento, o argentino se virou para nós e bradou, irado: “Shut up!!!”. O sujeito foi tão agressivo e antipático que ficamos sem reação. Nos dias seguintes, encontrei-o algumas vezes no desjejum. Trocávamos olhares fulminantes. Confesso que tive vontade de dar-lhe, no mínimo, uns petelecos. No máximo defenestrá-lo depois de uma deliciosa esganadura. Eita portenho folgado e antipático!

Eu fora auditar o trabalho de um argentino que dizia fazer coisas ultra-sofisticadas com o sistema. Sabe como é que é, dizem que os argentinos “se acham” e costumam ser um pouquinhos exagerados em sua auto-estima. Certa vez fui ao Parque de la Costa, na belíssima província de Tigre, com a indicação de que era o maior parque de diversões da América Latina: pelos meus cálculos, ele era menor que o Playcenter, um tradicional parque de diversões de São Paulo. Apesar de preparado para ver bem menos do que o argentino com potencial de eu sou o máximo dizia do seu trabalho, analisei tudo o que ele havia criado no sistema e não é que o rapaz arrebentava mesmo, sem falar que era gente fina toda vida e mais seis meses? Eita argentino buena onda!

Na volta ao Brasil, minha companheira de viagem era uma brasileira que vivera na Austrália durante dois anos. Havia ido para estudar. Ia de retorno a Curitiba, com escala em Buenos Aires e Guarulhos, para visitar seus pais antes de viajar ao Canadá para viver com um viajante que ela conhecera na Austrália. Eles se conheceram quando o rapaz estava viajando o mundo com sua ex-namorada colombiana; eles haviam saído do Canadá namorados e romperam o namoro durante a viagem. Apesar de não mais namorarem, por questões econômicas eles dividiam o apartamento na etapa australiana do périplo. Ela me contou, dentre outros detalhes emocionantes, as circunstâncias inesperadas em que eles se conheceram num jogo de boliche, foram ao seu apartamento, fizeram amor na mesma noite e se tornaram namorados. Um amigo, escoladíssimo nas coisas da vida (e das mulheres) me disse que ela estava “dando bandeira”, já que, segundo ele, não é normal uma garota contar a um desconhecido que... bem... fez aquilo na primeira noite que conheceu alguém, ainda mais seu namorado. Eu, um poço de ingenuidade, estou convencido de que meu amigo se equivocou. E, quanto à colombiana, ex-namorada do australiano, como era de se esperar, rodou a baiana quando soube que seu ex havia se engraçado com uma bela brasileira (a paranaense até que era bonitinha e sardenta, a danada). Eita mulherada difícil!

Quando começamos a sobrevoar Sampa, trocamos de assento para que ela pudesse, a partir da janela, rever sua terra natal. Ela não conseguiu segurar as lágrimas e chorou um bocado! Eita país desgracento e amado que nos enternece o coração!

No aeroporto, sua mala se extraviou, sem falar que ela não sabia como fazer para voar para Curitiba, já que não tinha reservado o voo. Muito cavalheiresco, apesar do cansaço e da vontade de ir para casa, dei-lhe todo suporte necessário para falar com o pessoal sobre o extravio da mala e ainda lhe passei as informações sobre a escala, que eu mesmo fora me informar. Eita rapaz cavalheiro quando se trata de fazer uma média com uma bela garota!

Alguns dias mais tarde, troquei emails com ela que já tinha sua viagem marcada para o Canadá com seu noivo, que também estava no Brasil para conhecer sua família. E quanto à mala extraviada, tudo acabou dando certo. Que sejam felizes sempre, amém.

Conclusão: o melhor das viagens a trabalho não é o trabalho, mas as pessoas que se conhecem.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

O dia em que o Kol Brasilis nasceu

– Cara, aquela parte do solo ficou super legal. Que compasso era aquele? Tentamos identificar, mas não conseguimos. Era 5/4? 7/4?
– Não, era um básico 4/4 mesmo. É que nós erramos.

Era junho de 2003. Estávamos no Teatro Paulo Machado de Carvalho, em São Caetano do Sul em um encontro de coros. Era promovido pela Igreja Batista de Vila Gerte e eu estava participando com o Karpos, coro da igreja que eu freqüentava. Eu já participara em outras edições do encontro com dois corais, o Karpos e o Cifra, esse último, um coral jovem que, no primeiro ano, causara sensação com um arranjo que eu fizera de uma música conseguida com o Mário César, organizador do evento, e no segundo ano chocara com um “proto-musical” sobre o profeta Jonas que mesclava rap, samba, baião e funk, de minha autoria com alguns coristas.

Todos os anos o encontro de coros era aberto por um prelúdio instrumental pela banda da IBVG. Em 2003 coincidiu que eu havia feito um arranjo para uma música chamada “Em Jesus”. Esse arranjo havia sido feito para grupo vocal a capela, num curso de arranjo vocal que eu fizera com arranjador carioca André Protásio. Eu achara que o arranjo havia ficado legal, mas não tinha perspectiva alguma de utilizá-lo em qualquer situação. Foi então que, na maior cara de pau, contatei o Mário César e lhe propus que ele poderia inovar naquele ano: em vez de abrir o evento com sua tradicional banda, ele poderia ceder a oportunidade para eu apresentar um arranjo que eu tinha feito para um grupo vocal. O Mário César, sempre aberto a novas idéias, topou.

Pode-se dizer que o Kol Brasilis, ainda sem nome, surgiu dessa empreitada. Quando comecei a trabalhar com o Cifra, passei a me preocupar a fazer uma música com raízes mais brasileiras. Essa preocupação me levou a procurar um curso que passasse técnicas de escrita vocal para o universo brasileiro. Foi então que, num belo dia, deparei-me com um email falando sobre o curso do André Protásio.

O curso foi muito bom, mas o seu mérito mesmo foi o de me fazer romper com meus preconceitos. Numa das aulas, o André Protásio mostrou uma gravação de um arranjo a capela que ele escrevera para a música “Se eu quiser falar com Deus”, gravada por seu grupo vocal, o Equale. Aquela audição foi uma verdadeira epifania para mim. Além de me tocar profundamente, fiquei bastante surpreso ao descobrir que havia arranjadores daquela qualidade no país. O meu referencial era o Take 6 e eu imaginava que ninguém no Brasil escrevia algo mais sofisticado em termos de harmonia.

Naquele momento, sentado na carteira, enquanto o arranjo ainda reverberava dentro de mim, resolvi que eu precisava escrever arranjos daquele tipo. Eu precisava entregar um arranjo no final do curso e, como eu não consegui escrever nada que considerasse interessante, resolvi utilizar um arranjo que eu tinha começado a fazer para o coro Karpos, a partir da música “Em Jesus”. Eu havia utilizado algumas técnicas do curso, mas o coro encontrara muita dificuldade em interpretá-lo. Já que o arranjo estava encostado e eu tinha que encontrar outra música rapidamente, optei por ele.

Bem, encontrar os cantores não foi uma tarefa muito difícil. O difícil foi fazê-los cantar. Quando do workshop, eu já tinha escolhido o elenco, oito pessoas, já que o arranjo tinha divises em alguns trechos em cada uma das 4 vozes (SCTB). Comecei a ensaiar a música para o encontro de coros, mas a dificuldade de fazê-la soar era quase intransponível. Num determinado momento, conversando com meu amigo Rogério S. sobre essa dificuldade, ele me fez uma proposta muito interessante: “Por que não dobrar o número de pessoas e colocar duas pessoas por voz?” A idéia me pareceu fantástica e eu não havia pensado nela. De fato, isso resolveu o problema. Convidei mais oito pessoas. Esse foi o elenco inicial do Kol Brasilis:

  • Priscila Lima e Rosi – sopranos
  • Ariane e Edna – mezzo-sopranos
  • Flávia e Gisele – 1ºs contraltos
  • Laudicéia e Priscila Ferminio – 2ºs contraltos
  • Éttore e Rogério – 1ºs tenores
  • Daniel e Paulo – 2ºs tenores
  • Anderson e Marcelo – barítonos
  • Jonas e Valdeílson – baixos


(Com relação ao Éttore, eu acabei cantando na abertura do encontro de coros. O Éttore só foi convidado algumas semanas depois, mas o considero como parte do elenco inicial)

Ensaiamos bastante e fizemos a apresentação na abertura do encontro de coros. A Priscila Ferminio ficou encarregada de fazer o solo da 2ª estrofe. No palco, como ficamos numa linha reta, dependíamos totalmente do retorno. O nervosismo dos cantores por cantar em frente a um grande público, associado ao retorno que estava um pouco deficiente, fez com que o pessoal se perdesse ritmicamente no começo da estrofe do solo da Priscila, o que gerou um desencontro das vozes no harpejo que eu havia escrito e que fez os músicos – do diálogo no início desse texto – preferirem acreditar que aquela parte do arranjo tinha uma estrutura rítmica mais sofisticada a acreditar, simplesmente, que tínhamos errado. No demais, tudo funcionou bem, e o arranjo teve uma boa acolhida do público, que gostou do tipo de sonoridade um pouco mais elaborada do que eles estavam acostumados a ouvir.

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

A felicidade é fácil

Procuro selecionar os livros que leio por causa do meu exíguo tempo para leitura. À medida que lê seus livros, a Flávia me recomenda ou não levando em consideração minha dificuldade com o tempo. Dessa vez ela me disse: "Lê esse livro que vale a pena". E li.

Realmente, um livro muito bom, tanto que me interessei pelo outro livro do Edney Silvestre, seu romance de estreia, que ganhou o Prêmio Jabuti, "Se eu fechar os olhos agora". Mas fiquemos por enquanto com "A felicidade é fácil."

Um livro relativamente curto, escrito com uma narrativa bem enxuta, direto ao ponto. Um romance policial ambientado na década de 90 e que conta a história de um sequestro. Ele amarra muito bem a narrativa, em capítulos curtos e objetivos e, consegue, com muito êxito, criar um suspense que amarra o leitor até o final.

Interessante também como ele mostra os personagens a partir de uma perspectiva humana com todo seu sofrimento, sonhos e desilusões, nessa narrativa tão econômica.

Não deixa de fora o ambiente político do Brasil daquela época, subjugado pelas aventuras irresponsáveis do governo Collor e mesclado com o sentimento de despeito dos militares que, de certa forma, se sentiam desmoralizados ao perderem o protagonismo do poder.

Um livro muito gostoso e fácil de ler. Recomendo.

http://emporiodoslivros.blogspot.com/2011/11/divulgacao-felicidade-e-facil-edney.html

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Sempre é cedo para recomeçar...

Parece que fiz uma lambança com minhas senhas. Relapso como sou, só hoje percebi que é o Google quem suporta esse serviço de blog. Ontem, criei o blog com outro email/senha. Agora, quando tenho entrar no serviço, fica uma confusão entre minha senha do Google e a outra senha que criei. Como procuro ter uma vida descomplicada, resolvi matar o outro blog e começar do zero a partir desse.

O único problema é que minha inspiração para o nome utilizando Badaquias se acabou. Daí me ocorreu outro nome bem legal, que o Marcelo Carrara utilizava muito para chamar o Vítor quando ele era bebê: Showbineia. Liguei para o Marcelo e lhe perguntei se a expressão era invenção dele, o que ele confirmou e liberou o uso. Portanto, se o nome do primeiro blog, morto prematuramente, foi uma homenagem ao meu grande amigo/irmão Sidão, esse é uma homenagem a outro grande amigo/irmão da mesma estirpe: Marcelo Carrara. Afinal, o que a gente leva de melhor dessa vida são os amigos. Aliás, de quebra, ainda fica uma homenagem ao meu filho mais velho (dããã, que legal!)

Cuma??? O que significa Showbineia? Não faço a menor ideia: pergunte ao Marcelo.

Agora, veja que da hora: eu me loguei no Google com minha conta normal, Obadiasx, e criei um novo blog. Imagina quem é o dono do blog? O Badaquias!!! Que confusão na minha cabeça! Que crise de identidade! Enfim, pelo menos a senha é a mesma do usuário Obadiasx do Google: "tentalaseuotario"

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Fobias

Eu nunca tive qualquer tipo de medo além daqueles bastante comuns às pessoas. Na realidade, até mesmo os medos comuns nunca fizeram muito sucesso comigo. Sou meio desligado e, por isso mesmo, muitas vezes não tenho noção do perigo que estou correndo. Um medo comum às pessoas é o de falar em público. Nunca tive esse tipo de problema. Isso se deve, acredito, ao fato de eu sempre trabalhar com grupos de pessoas em corais como regente. Faço isso desde os 15 anos de idade.

Entretanto, eu desenvolvi uma fobia bastante curiosa: exame de sangue. Lembro-me que, quando era garoto, os médicos tinham dificuldade para encontrar minhas veias porque elas sempre foram muito tênues. Tenho na minha memória imagens da minha infância em que o médico furava a ponta dos meus dedos para conseguir extrair sangue. Mas, nem por isso, eu desenvolvi fobia a exame de sangue. Quando era adolescente, cheguei a fazer uma coleta de sangue em pé, se minha memória não está falhando.

Numa determinada ocasião, quando eu trabalhava num frigorífico, a administração promoveu um programa sobre saúde e uma das medidas era fazer uma série de exames com os funcionários. Não chegava a ser um check-up, mas era necessário coletar sangue para a bateria de exames. Quando chegou minha vez para a coleta, dirigi-me à enfermaria da empresa para ser atendido por uma enfermeira e um enfermeiro. Foi um desastre: eles tiveram muita dificuldade para encontrar uma veia disponível nos meus braços. Fura daqui, fura dali, a enfermeira nervosa, eu ficando impaciente, até que, num determinado momento, o nervosismo da enfermeira me contagiou, minha pressão caiu e eu desmaiei.

Aliás, desmaio nunca foi novidade para mim. Quando garoto, sofri alguns desmaios. Por motivos vários. Certa vez eu havia sofrido uma queda enquanto corria com meu irmão Tatá e meu primo Elias num terreno baldio ao lado da sua casa. Era um declive. Eu caí e escorreguei alguns metros. Ralei feio principalmente os joelhos e os cotovelos. Eu tinha um problema, de origem desconhecida, que impedia a rápida cicatrização de meus ferimentos. Sempre que eu me machucava, a cicatrização era um tormento. Por esse motivo, minha mãe tinha um cuidado especial comigo. No dia seguinte ao acidente, ela me ajudou a escovar os dentes, já que eu estava com dificuldade para mover as juntas dos braços e pernas por causa dos ferimentos. Lembro-me que mal comecei a escovar os dentes e desmaiei.

Outra vez, lembro-me que passei mal e, percebendo que ia desmaiar, corri e me deitei na cama dos meus pais. Fiquei alguns instantes num pré-desmaio. Era meio angustiante. Mas era muito interessante e eu acabei gostando. Meu corpo parecia flutuar, eu escutava as pessoas falando distante, parecia que eu apagaria, mas não apagava. Foi muito bom. Enfim, eu desmaiei outras vezes, mas não me recordo dos detalhes.

No caso da coleta do sangue, foi mais um dos meus desmaios. Só que, dessa vez, a experiência me traumatizou. Eu só me dei conta do trauma alguns meses depois quando precisei fazer nova coleta de sangue para outro exame que eu faria. A assistência médica do frigorífico era a Health (acredito que nem exista mais). Fui a um laboratório deles em São Bernardo do Campo. Era de manhã e o laboratório estava lotado. Sentei-me para esperar minha vez de ser chamado e me lembrei da minha última experiência com coleta de sangue. Comecei a rememorar a tentativa dos enfermeiros, minhas veias sumidas... Olhei para meus braços e não vi veia alguma. Comecei a ficar preocupadíssimo. Senti um frio na barriga. Levantei-me, fui ao banheiro. Dei vários pulos, fiz várias flexões de braço, dei tapas nos meus braços. Nada. As veias não ficavam saltadas. Bem, seja o que Deus quiser, pensei.

Voltei ao local de espera, sentei-me, como se nada estivesse acontecendo (e, de fato, nada acontecia, para meu desespero) e aguardei minha vez de ser chamado. Quando fui chamado, entrei na sala reservada para a coleta, a enfermeira colocou um apoio para os meus braços e começou com os procedimentos de praxe. O óbvio aconteceu: ela não encontrava minhas veias. Fui ficando nervoso, mas fiz o possível para não demonstrar. Mas a enfermeira era boa e acabou achando a veia. Alívio. Ela, então encheu uma ampola. Até aí tudo bem. Quando ela começou a encher a segunda, comecei a ter uma sensação de esvaziamento, como se todo meu sangue estivesse sendo sugado pela agulha. Foi inevitável: a sensação do desmaio foi surgindo devagarzinho, tentei me controlar para não demonstrar nada à enfermeira, mas num determinado momento não deu. Então eu falei:
– Acho que vou desmaiar...
– Você acha que vai desmaiar? – a enfermeira estava histérica – faz quinze minutos que estou lhe segurando e você não para com as convulsões!
– O quê? Convulsões?
– Eu estou que não agüento mais a dor nas minhas costas tentando lhe segurar!
– Por que você não chamou pedindo ajuda?
– Você não viu como está lotado o consultório? Eu não posso simplesmente gritar: vou assustar as pessoas! Você deveria ter me avisado antes!
– Mas eu achei que não fosse desmaiar...

Bem, os quinze minutos que ela falou deveriam ser exagero. O fato é que eu devo ter desmaiado subitamente e, quando voltava do desmaio, pensei que estava começando a passar mal. Minha cunhada enfermeira me disse recentemente achar meio estranho eu ter tido convulsões. Ela acredita que foi exagero da enfermeira. Enfim, seja lá o que tenha acontecido, o quadro da fobia já estava configurado. Dali em diante eu nunca mais conseguiria fazer uma coleta de sangue sem passar pela “pagação de mico” de uma desmaiada “básica” ou algum tipo de vexame. E cada coleta é um caso engraçado.

***

Lembro-me de uma coleta que fiz numa clínica no bairro Paraíso, em São Paulo. Evidentemente, depois do episódio da Health, eu sempre aviso o pessoal da coleta sobre minha fobia e meus eventuais desmaios. Os enfermeiros mais prudentes recomendam que eu me deite ou me sente numa poltrona reclinada. Entretanto, como o problema da fobia é psicológico, sempre que vou fazer a coleta, as minhas veias fatalmente resolvem dar um passeio e desaparecem de vista. Nessa clínica não foi diferente. A enfermeira não conseguiu, nem com reza brava, fazer com que minhas veias voltassem de seu sumiço repentino. Qual foi a solução engenhosa que ela encontrou? Pediu-me para deitar numa maca e colocou uns três cobertores sobre mim. E pediu para eu aguardar. Fiquei uma meia hora esperando meu corpo aquecer o suficiente para que minhas veias dilatassem. Era engraçada a reação das pessoas que entravam na enfermaria. Elas me olhavam assustadíssimas, imaginando o que poderia estar acontecendo comigo (e, de repente, poderia acontecer com elas também). Sorridente, eu lhes tranqüilizava – quando a enfermeira não o fazia antes – dizendo-lhes que estava deitado apenas para minhas veias dilatarem. Elas, então, ficavam mais tranqüilas.

Em outra ocasião, nessa mesma clínica, sabendo do mico que eu havia pagado antes, fiz um grande esforço mental para controlar o lado psicológico da coisa. Bem, deitar eu já iria mesmo. Eu tinha que fazer algo mais para garantir o sucesso da empreitada. Levei um Discman com um CD com peças do George Gershwin (Rapshody in Blue, Um americano em Paris, Concerto para Piano e Orquestra em Fá maior e Abertura Cubana). Antes de chegar à clínica já escutava o CD para ficar no clima musical. Durante a espera, continuei ouvindo. Quando chegou minha vez de ser atendido, fiz os esclarecimentos de praxe e eles me colocaram deitado numa cama. Aumentei um pouco mais o volume da música, me virei para o lado da parede e, como essas peças são maravilhosas, viajei na música. Desliguei-me totalmente. Foi uma beleza: a coleta foi um sucesso.

Lembro-me de outra vez, no Hospital São Pedro, em Santo André. Eu expliquei para a enfermeira que eu costumava desmaiar. Ela insistiu que não haveria problemas. Eu perguntei se ela tinha certeza e ela disse que sim. Beleza, então. Não me lembro se ela chegou a começar a coleta. Eu estava sentado com o braço apoiado no equipamento usado para isso. De repente comecei a desabar. Ela interrompeu imediatamente a operação, um enfermeiro veio em seu auxílio, me abaixaram, deram as instruções para que eu não desmaiasse e, quando a situação estava sob controle, me colocaram numa cama. Depois de bem acomodado na cama, ela conseguiu fazer a coleta. Depois, ironicamente, eu lhe disse: “Eu avisei”.

Certa vez eu me inscrevi no curso de Música da Faculdade Mackenzie. O Rogério Schuindt, meu amigo, estudava lá e eu estava procurando uma faculdade de música para estudar. Conversei com o coordenador do curso, o Parcival Módolo, e na burocracia de praxe, fui informado que, curiosamente, deveria apresentar um atestado de saúde. Fui até o Hospital São Pedro em Santo André e, quando o médico constatou que minha pulsação cardíaca é mais lenta que o normal, embora eu lhe insistisse que sempre fora assim, ele me disse que só entregaria o atestado de saúde depois que eu me submetesse a uma bateria de exames. E me entregou a guia de encaminhamento. Lá constava a expressão pavorosa: hemograma completo. Desisti da faculdade.

Houve outras coletas de sangue, mas todas dentro da normalidade: eu avisava sobre minha fobia e o enfermeiro providenciava as condições para uma coleta sem inconvenientes. A última foi no laboratório Foccus, em Santo André. Avisei a enfermeira do meu problema. Ela, simpaticíssima, me disse que não haveria problema, que ela era muito boa para coletar sangue e que era eu só relaxar que tudo bem. Eu, escolado no assunto, disse-lhe que, mesmo assim, achava interessante que a coleta fosse feita em condições menos desfavoráveis que aquela em que eu teria que ficar sentado numa cadeira. Ela insistiu que não, que eu poderia relaxar que tudo funcionaria perfeitamente. Então tentou me explicar, muito didaticamente, que tudo era psicológico, como se eu não soubesse. Pediu para eu olhar para o lado e cometeu um erro crasso: começou a conversar comigo para eu me distrair:
– Você trabalha em quê?
– Trabalho com sistemas.
– Ah, com sistemas? Então você já passou por coisas piores...
E dá-lhe papo furado. Era louvável a iniciativa dela, mas parecia que ela estava lidando com um bebê. E meu comportamento, reconheço, era de um bebê. Mas era evidente que a estratégia dela não funcionaria, pelo ridículo da situação: eu, um cara de 38 anos, sentado numa cadeira, com uma enfermeira tentando me distrair com papo furado para ver se eu ficava calminho para ela dar uma agulhada no meu braço. Minha percepção do ridículo da situação tornou a sua estratégia contraproducente. Quando ela chegou com a agulha perto do meu braço, eu gelei completamente. Mais alguns segundos e eu seria capaz de desmaiar. É impressionante como uma fobia é irracional. Não havia qualquer motivo para isso, mas eu estava lá, a ponto de ter uma síncope. Eu retesei o braço e soltei:
– Peraí! E se eu desistir?
– Não. Fica calmo que você consegue. Relaxa o braço novamente.
Relaxei, ela esperou mais alguns momentos, e ameaçou novamente infligir-me aquele ato de suprema violência. Gelei de novo. Eu parecia o Vítor, meu filho, quando era mais novo e não havia cristão (nem mulçumano) que o fizesse comer:
– Espera um pouquinho. Deixa-me respirar. Preciso relaxar.
Ela já estava perdendo a paciência:
– Façamos o seguinte: vou providenciar uma cama para você se deitar.
Foi no consultório ao lado, falou com a outra enfermeira e, assim que o consultório foi liberado, me encaminhou para lá, pois aquele consultório estava equipado com maca.
Deitei-me, ela fez a picada e eu me concentrei para não ficar nervoso e correr o risco de ter uma queda de pressão. Para me tranqüilizar ela disse que estava utilizando a agulha mais fina que tinha, utilizada para coletar sangue de bebê (de fato, ela estava me tratando como um bebê). Mas a picada doeu tanto que eu acredito mesmo é que ela estava usando a agulha mais grossa que tinha, só para me sacanear.
– Doeu?
Claro que eu respondi que não, com o rosto virado para o outro lado. E dá-lhe concentração para não desmaiar. Afinal, pela quantidade de exames que constava na guia do médico, ela precisaria de umas três ampolas, no mínimo, supus. Quando estava conseguindo me concentrar, ela avisou:
– Pronto, acabou. Põe o dedo aqui e segura esse curativo.
– Já acabou? Foi muito rápido! – eu achava que sequer havia dado tempo para encher uma ampola – Eu pensei que você fosse tirar mais de uma ampola.
– Eu tirei duas.
– Duas?
Caramba, ela era realmente muito boa! E muito rápida. E duvido que estivesse utilizando uma agulha para coletar sangue de bebê. Para fechar com chave de ouro, ela ainda soltou a seguinte pérola:
– Da próxima vez, avisa que é melhor você deitar. Teria sido bem mais fácil.
Bem, nem perdi meu tempo respondendo.

No princípio...

Há um bom tempo, comecei a escrever um livro de memórias. O objetivo mesmo era a desculpa para escrever. Sou um leitor quase compulsivo. Portanto, querer escrever seria natural. Como não tenho nada a dizer – logo sem argumentos para escrever um livro – resolvi relatar em livro a jornada de anos que é a produção do CD que estou gravando a conta-gotas. Uma espécie de making of do CD. No entanto, escrever sobre isso talvez fosse muito chato. Daí a idéia de incluir também memórias.

A idéia do livro era usar uma linguagem bem coloquial e os capítulos em forma de crônica, utilizando um tom um pouco humorado. Daí a questão: quem vai se interessar pelo livro? Nunca me preocupei com isso. Mas, passado muito tempo, essa pendência por finalizar, muito ainda por escrever, resolvi desistir do livro e achei melhor escrever em um blog. Se alguém quiser ler, ótimo, do contrário, fica como um documento pessoal meu ao alcance de quem tropeçar por aqui.

Isso foi bom também porque eu gosto de escrever sobre outros temas do meu cotidiano, mas que não têm relação com o conteúdo do livro. Daí poderia incluir tudo no blog. Além do mais, já havia criado outro blog para relatar o dia-a-dia das gravações e, por falta de gravações, o blog fica abandonado. Como é exclusivo para as gravações, não me parece adequado colocar outros textos lá.Um blog genérico como esse resolveria a questão.

O livro se chamaria “A musa, o Kol e eu”. Qualquer semelhança com “Marley e eu” ou qualquer outro título de livro será mera coincidência, mesmo porque o título do livro já havia sido pensado antes de eu saber da existência do outro livro. Talvez o livro tivesse mais a ver com “Eu, eu mesmo e Irene”. Ao longo do livro, o leitor decidiria quem é a musa.

Como resolvi migrar tudo para o blog, o seu título “Badaquias e a musa” tem a ver um pouco com o livro (a musa) e com eu mesmo (Badaquias é um apelido carinhoso – e no limite da esculhambação – que um grande amigo me deu na adolescência, o Sidão). Como sempre fui refratário a apelidos, resolvi assumir esse “apelido” como um “nome artístico esculhambado”. Bem, então o Badaquias está explicado também.

Por fim, sobre o conteúdo específico do blog, terá de tudo, 100% bobagens desnecessárias. A exemplo da música que eu faço, onde não há qualquer intenção de passar mensagem, esse blog não será engajado com nenhum tipo de mensagem cristã. Explico isso porque um cristão que se preze e que leve a sério sua “missão” como cristão nesse planeta, sempre estará preocupado com a “mensagem”. Portanto, a exemplo da música, esse blog não possui qualquer objetivo “edificativo”. Bem, se um cristão sério se preocupa com a mensagem e eu não me preocupo, pode-se inferir que não sou um cristão sério. Deve ser por aí mesmo. Sendo assim, se você está à procura de um conteúdo edificante, há uma infinidade de blogs por aí com esse objetivo.

O blog será apenas uma celebração bem humorada e desencanada da vida, uma espécie de “existo, logo escrevo”. Nada mais.