sábado, 13 de julho de 2019

Dois momentos épicos na feira

Momento 1

Parei na barraca de bananas para comprar uma dúzia de banana nanica. Um cliente, do lado de dentro da barraca, desenvolvia um diálogo bem solto com o feirante:
- Casal pra mim é homem e mulher!
E descrevia o acontecido, que um casal homossexual queria um desconto porque algum restaurante dizia que casal tinha desconto. Onde já se viu? Casal é homem e mulher. Quer se beijar? Não faça em público. E todas aquelas baboseiras típicas homofóbicas.
Queria fugir do estereótipo, mas era tão estereotipado que não consigo: um distinto senhor branco, bem vestido, de olhos azuis. O típico “cidadão de bem”.
Eu paguei e fiquei ali, do outro lado da barraca, postado, com aquele comichão: sacaneio ou não? Scaneio ou não?
Daí, o distinto senhor, vendo meu interesse, resolveu deixar a bola quicando bem em frente o gol para eu chutar:
- Foi num restaurante aqui em cima. Estava escrito que “casal tinha desconto” e dois homossexuais queriam desconto. Deu a maior confusão.
- Então... sou homossexual, casado. Eu faço um casal com meu marido. Se eu fosse nesse restaurante, iria exigir desconto também.
- Mas se você e sua esposa...
- Esposa não!!! Ma-ri-do!!! Ele é meu marido.
Visivelmente constrangido, nem terminou o que ia dizer.
- Pra você eu posso não ser um casal com meu marido. Mas eu formo um casal, sim!
- Mas o erro foi do restaurante... A culpa nem é do garçom. Eles deveriam ter colocado que duas pessoas juntas tinham desconto.
Fiquei impressionado com a mudança repentina de discurso. Até parecia uma pegadinha. AHAHAHAHAHAH! Na realidade era. A ocasiãozinha faz a pegadinha. Nossa, que rima tosca!
- Complicado – respondi – mas entendo a dificuldade. Talvez colocar “duas pessoas têm desconto” evitaria esse tipo de situação.
Resolvi não provocar mais porque a sacanagem já tinha sido completada, o senhor já estava visivelmente constrangido, os feirantes meio em suspenso. Com um sorriso amarelo ele capitulou, talvez na tentativa de não me provocar mais e sair daquela situação constrangedora o quanto antes:
- Estamos avançando aos poucos.
- Verdade, aos poucos estamos superando esses preconceitos.
E fiz menção de me retirar.
- Tudo de bom.
- Pro senhor também.

Momento 2

Na barraca de frutas onde tradicionalmente me abasteço, falei com o dono da barraca:
- Vi você ontem!
- Ontem? Não, impossível!
- Eu te vi, sim!
- Ontem não!
Pensei um pouco, recapitulei...
- Ah... verdade! Foi na quinta!
- Na quinta eu faço feira ali perto da Atlântica.
- Isso mesmo. Sabe a José Lins do Rego? Eu estava passando por ela e você, na transversal, estava esperando para entrar.
- Ah... sim, era eu mesmo!
- Tinha um monte de cara com você. Eu até pensei: nossa, esse cara só anda com macho!
O feirante do seu lado começou a sacanea-lo. Ele respondeu:
- Nem todos! Esse aqui é meio macho!
- Ah, sim... Aí já não sei... Ele até que tem cara de macho, hein?
O feirante dono da barraca sacaneou o feirante do lado. E concluiu.
- Sexta em nem saí de casa.
Gargalhei.
- Ahahahahahahah! Putz, suou frio agora, hein?
Foi a vez do feirante do lado sacaneá-lo, sem dó.
Fui embora dando risada.