A vida moderna não é fácil. Se deixamos o turbilhão de compromissos
assumidos, responsabilidades, pressões tomarem conta de nossas vidas, acabamos
nos metendo em uma escalada vertiginosa de sucateamento do nosso organismo.
Foi o que aconteceu comigo nas últimas semanas. Pressões no
trabalho, cargas horárias insanas (na última semana dormi apenas 6 h no
intervalo de 3 dias), alimentação totalmente desregrada, uma cirurgia
odontológica que me obrigou a tomar um anti-inflamatório pesadíssimo por 5
dias... Para quem tem gastrite, isso é um desastre.
Enfim, procurei o médico e acabei tomando o remédio
receitado. Melhorei da gastrite mas percebi que alguns efeitos, que julguei
colaterais, começaram a aparecer. No final das contas, ontem sentia muitas
dores nos ossos. Fui ao Hospital Brasil ontem à noite, expliquei tudo para o
médico e, para resumir, ele entendeu que não tinha a ver com a gastrite mas com
a potencialização que meu estresse causou. Receitou alguma coisa e me disse:
- Se você quiser tomar um remédio na veia, já dá uma pancada
e diminui essa dor.
- Por mim beleza.
Perguntou se eu tinha alergia a alguns tipos de remédio e,
depois da minha negativa, me disse que iria receitar Tramal. Sei lá o que é
isso, mas tudo bem.
Encurtando a história, depois de algumas etapas
preparatórias, fui colocado em uma poltrona para receber o Tramal na veia, aos
poucos, como um soro. Inicialmente, fiquei interagindo com meu celular. Depois
de algum tempo me bateu um sono muito forte e preferi ficar de olhos fechados, semi
sonolento. Até que terminou a medicação.
Os enfermeiros me liberaram e fui embora. Estava me sentindo
meio grogue. Pensei: vou até o carro, descanso um pouco e, quando me sentir
melhor, vou embora. Saí pala saída do Pronto Atendimento do Hospital Brasil, onde
também é uma entrada de estacionamento. São uns 15 metros até a entrada de
pedestres e veículo. Eu caminharia até lá viraria à direita, subiria a rua até
meu carro que estava uns 50 metros de distância. Enquanto caminhava pela
entrada do estacionamento, senti que a sensação de mal-estar aumentava. Comecei
a andar mais rápido. Cheguei na calçada, virei à direita, dei uns 10 passos e me
dei conta de que não conseguiria chegar no carro. Dei meia volta, uma sensação
de desmaio inevitável tomou conta de mim, apertei o passo para tentar chegar ao
menos na entrada do estacionamento e pudesse desmaiar em paz, à vista de alguém
do hospital que passasse por ali.
Cambaleante, consegui chegar bem no limiar da calçada, na entrada
do estacionamento, sentei-me e apaguei....
Deve ter sido um desmaio muito rápido porque, pelo horário
das conversas pelo whatsapp com minha esposa, entre meu último contato com ela,
ainda na medicação, e o contato depois que eu já estava em condições de falar,
passaram-se 18 minutos. Então todo o processo do desmaio deve ter durado de 5 a
8 minutos no máximo.
A noite estava deliciosa. O chão parecia uma cama
confortável. Aquele ventinho soprando... Ai... que delícia... Nossa, de onde
vim, para onde vou, o que estou fazendo aqui? Ah, sim... estava me preparando
para um desmaio feliz! Então eu desmaiei! Peraí! Onde eu estava mesmo? Ai,
caramba, estou no hospital!!! Ai, meu Deus alguém tem que me encontrar...
Era por volta de meia-noite.
O tempo passa e nada. Tento me mexer e não consigo. Estou em
um delicioso estado de torpor. Resolvo ficar ali, deitado, aproveitando. Em
algum momento vai aparecer alguém. De fato, depois de algum tempo, ouço algumas
vozes ao longe:
- Olha, tem um rapaz caído aqui! – é uma voz masculina.
Outra voz masculina se junta e começam a conversar. Um deles
mexe comigo.
- Ei, rapaz, você está bem? Você me ouve?
Eu ouço tudo, distante, mas não consigo me mexer. Os dois
ficam ali discutindo o que fazem, um deles diz que vai entrar no hospital e
chamar os médicos. Isso me faz concluir que são transeuntes que me encontraram.
Passam-se alguns minutos, o rapaz tentando conversar comigo,
eu não consigo responder, tento soltar um gemido para ele ver que estou “bem”.
Não sei se adianta porque ele continua falando comigo. O outro rapaz aparece de
novo dizendo que enfermeiros virão me resgatar. O que me acompanhou diz que eu
devo ter saído dali porque estou com papéis do hospital e a pulseira do
atendimento. Observa também que devo estar sozinho porque há uma chave de
automóvel jogada ao lado do meu corpo. Quer dizer, meu corpo não, porque, pelo
que consta, ainda não morri. Ou estaria ouvindo o diálogo do céu, justamente
por isso ele parece estar meio longe? De qualquer forma, o rapaz me parece
muito sagaz. Se estivesse em melhores condições, dir-lhe-ia (oi, Fora Temer?)
que ele daria um ótimo detetive.
O rapaz, todo cuidadoso diz para o outro que, se ele quiser,
pode ir, que ele fica comigo enquanto o pessoal do hospital não chega. Não me
lembro, mas parece que o outro vai embora. O rapaz continua a tentar me animar,
falar comigo: “tudo bem?” Já que não consigo falar, tento fazer um positivo com
a mão. Mal consigo mexer o braço e faço um sinal. Não sei se pareceu um
positivo ou se ele viu. Mas, se viu, sagaz como é, sua veia detetivesca deve
ter lhe sugerido que minha movimentação manual era uma tentativa de dizer que
tudo estava bem.
Chegam os enfermeiros, ele faz um breve relato e diz:
- Essa chave deve ser dele. Vou colocar no bolso dele, ok?
E o faz.
Os enfermeiros falam comigo, respondo em palavras mal
articuladas, já estou melhor, e eles me dizem que vão me levantar para colocar
na maca. Eu tenho a impressão de que eles estão dizendo para eu me colocar de
pé com a ajuda deles. Por um breve momento fico imaginando como isso seria
possível. Mas nem preciso me preocupar: eles me erguem e meus braços caem como
um saco de estopa vazio. Meus músculos parecem todos desligados.
Levam-me de volta para o hospital, me deixam em uma sala
contígua a um almoxarifado e dizem para eu descansar, que eles vão me colocar
no soro. Ouço alguém dizer que seria preciso iniciar o processo de internação e
me deixar em observação, o que não me agrada nem um pouco. Perguntam-me se
tenho acompanhante. Digo que não. Eles me respondem que, caso tivesse, eu
poderia ser liberado depois de melhorar. Digo que vou contatar minha esposa.
Imediatamente ela chama um Uber e vai ao hospital. Quase duas horas depois
vamos embora.
No final das contas, eu que já tive diversos episódios de
desmaio ao longo da vida e que, o que mais me agrada é aquele estado de torpor
pré e pós desmaio, foi uma experiência agradável ficar naquele chão, totalmente
relaxado, sentindo a brisa da noite, totalmente brisado, ouvindo as pessoas
falando de longe... kkkkkkkkkk
Por outro lado, pareceu-me uma tremenda irresponsabilidade do médico que me
atendeu e dos enfermeiros na sequência, não terem me falado que essa medicação
é pesadíssima, perguntarem-me se tenho problema de hipotensão arterial (minha
pressão arterial é mais baixa mesmo), enfim, esses cuidados de praxe.
Mas, enfim, tudo acabou bem e até me pareceu divertido.
Teria sido problema mesmo, como disse meu amigo Hernan Pimenta, se em vez de
serem os transeuntes que tivessem me encontrado, fosse o Dória: com essa minha
cara de mendigo cracudo, eu corria sério risco de ser internado à força por
ele. Já pensou a confusão depois que daria até eu ser encontrado em algum
manicômio babando, metido em uma camisa de força?