domingo, 24 de julho de 2016

Na loja

Eu havia retornado de uma pedalada quando a Flávia me ligou da sua caminhada:
- Pode me buscar na loja tal que eu passei aqui para comprar um carregador de tablet? Aproveita e traz o seu tablet para testar?
Descasquei uma pokan, coloquei-a em um pote, tablet, chave do carro, dirigi até a loja. Vestia tênis, calça do agasalho esportivo e uma camiseta desbotada. Estacionei do outro lado da rua, um pouco mais à frente da loja, atravessei a rua e voltei pela calçada, displicente, tablet debaixo do braço e pote com a pokan na outra mão.
Pensando na vida, sabe-se lá em que, fui entrando na loja. O segurança me barrou:
- O que você quer?
Supreso, não entendi. Olhei para sua cara, desconfiado, meio rindo, acreditando que era alguém que me conhecia e estava fazendo uma brincadeira. Não raro me deparo com pessoas que me conhecem, conversam comigo e eu fico disfarçando tentando me lembrar de quem se trata. Acreditei que estava acontecendo de novo.
Olhei para a cara dele tentando reconhece-lo e entrar na brincadeira, mas ele ficou impassivo. Definitivamente aquilo era um jogo. A Flavia estava mais ao fundo da loja e, quando me viu barrado na porta, se aproximou. Como eu estava naquela situação indefinida, sem reconhecer a pessoa, joguei a toalha, esperando não ter estragado a brincadeira:
- Vim falar com minha esposa – e apontei para a Flávia.
Foi então que ele me deixou passar.
Olhei para a Flavia, sem entender nada, e foi então que eu percebi que o que tinha acontecido.
O tempo que precisei para entender o episódio, foi o que levei para me aproximar do balcão.
- Sandra!

A loja é de amigos da infância. Não nos víamos há um bom tempo. Enquanto concretizávamos a compra, colocamos as notícias em dia e atualizamos o status a respeito dos parentes: e sua mãe? E sua tia? Seu irmão apareceu, inicialmente não o reconheci, embora ele tenha me reconhecido. Enfim, foi um reencontro agradável, enquanto desfrutava da pokan que estava uma delícia.

Senso comum

Comportamento de manada é um traço dos animais, inclusive os humanos, não? Penso que aderir ao senso comum é uma manifestação desse comportamento. É algo irracional e instintivo. Então, se insurgir contra o senso comum é algo que vai contra nossos próprios instintos. Quando tentamos sair do senso comum, passamos às demais pessoas uma mensagem de inadequação, inconveniência.

terça-feira, 19 de julho de 2016

Delírios

Certa vez cheguei em um cliente, anos atrás, com o livro "Deus, um delírio" debaixo do braço. - Que livro é esse que você está lendo? - perguntou-me o segurança, simpático, que já me conhecia de visitas anteriores. - Deus, um delírio. - Deus um delírio? - O autor sugere que Deus não existe e seja resultado do delírio da mente humana. Ele me olhou assim, como se suspeitasse, de repente, que eu estivesse com ebola: - Mas você não é ateu, é? Eu poderia ter esticado a conversa dizendo para ele que sim, apenas pelo prazer de ver onde aquilo iria parar, mas eu estava com pressa: - Não, não sou. De repente o sol voltou a brilhar novamente no olhar do segurança, que suspirou aliviado. (inspirado no meu amigo Thiago Mendanha)

terça-feira, 12 de julho de 2016

Futuro

- Pai, quando você ficar idoso vai vender sua casa? - Não sei. Acho que não. Por quê? - Quando eu crescer, estiver trabalhando e não tiver dinheiro para comprar uma casa, você deixa eu continuar morando na sua, que é a minha agora? - Claro! - Muito obrigado pela gentileza.

sexta-feira, 8 de julho de 2016

Cadeira de arruar

Cadeira de Arruar, da obra Museu da Inconfidência, de Guerra-Peixe. 

Reencontrei-me com essa peça por conta de diálogos musicais com meu amigo Rogerio Schuindt.

Trata-se de uma peça cujo movimento me deixava em êxtase na minha adolescência. Coizdidoido!

https://youtu.be/PXHoI2SXRnI?t=80

Uma história de ofensa, arrependimento e não perdão

Uma pessoa amiga me disse algumas palavras duras ontem e eu fiquei muito chateado. Mais tarde se arrependeu e me pediu perdão. Eu, ofendido, não a perdoei. Passei a noite remoendo aqui. Foi então que recebi a visita de um anjo me dizendo que minha bênção estava no baú que ele carregava, mas que, por causa do meu pecado oculto, eu não a receberia.

Passei a noite lutando com o anjo para que me desse a bênção, ou melhor, o baú, a despeito do meu orgulho por não reconhecer meu pecado não confessado. Lutei muito tempo sem conseguir subtrair-lhe o baú da minha bênção. Até que, depois de muito lutar, consegui tomar o seu baú.

O anjo, zombeteiramente, fez uma dancinha e me disse: “Mas eu ainda tenho a chave, la, la, la, la, laaaa, la!”

Enfurecido, lancei-me sobre ele e nos engalfinhamos na luta novamente, dessa vez para que minha bênção fosse completa: a chave! Depois de muito lutar, consegui tocar na junta do seu cotovelo, desloquei-a com uma luxação, a chave caiu no chão, peguei-a e dei no pé.

O anjo, que se chamava Elias, começou a urrar de dor por causa da sua súbita luxação e, enquanto eu escapava, praguejou para que ursas saíssem da mata e me devorassem. Por sorte o anjo não se chamava Eliseu. Não fosse isso, as ursas – que só ouvem a voz do seu pastor – teriam atendido a seu apelo e eu não estaria aqui para contar a história desse livramento e frustração também, o que eu esclareço a seguir.

Pois bem, vejam como Deus tem seus mistérios: de posse da chave da bênção, abri o baú e havia um pergaminho ardente que não se consumia. Cuidadosamente, para não queimar os dedos, abri-o e havia apenas uma mensagem:

“Perdeu, neguinho – negão não, porque você é baixinho, playboy não, porque você não é branco: quem tem olhos e sabedoria que leia e decifre esse enigma – mas, voltando à mula fria, perdeu, neguinho: se você tivesse perdoado 70 dividido por 70 vezes a pessoa que lhe ofendeu e depois se arrependeu, em vez desse pergaminho ardente, teria um reluzente pote de ouro, sua bênção, ou quem sabe as próximas dezenas da megassena.”

Tão logo terminei a leitura, o pergaminho escapou de minha mão, abrigou-se dentro do baú que se fechou automaticamente, transformou-se em uma carruagem de fogo e foi assunto ao céu, como um raio que vai do oriente ao ocidente.

Eu fiquei a ver navios mas aprendi a lição: procurei a pessoa que me ofendeu, pedi-lhe perdão, assim como lhe perdoei os seus pecados. Porque, da próxima vez que cruzar com o anjo, ele não me escapa, o danado.


Portanto, fica a dica dessa minha experiência:

Seja pronto para perdoar
e tardio para se ofender
e desfrute de todas as bênçãos
que a Fortuna tem preparado para você.