terça-feira, 26 de maio de 2020

DEJAVU

Trabalhando em casa no meu sistema enquanto assisto Fauda com Flávia.
Na rua o autofalante do carro anuncia os ovos e a mandioca baratos (nossa, somente agora o trocadilho me ocorreu!).
- Bada, avisa o cara que vou pegar dinheiro pros ovos!
Corro no portão, e pela fresta, assobio.
Ele ouve, para.
Volto pego a chave.
Abro o portão.
Saio para a calçada.
Olho toda aquela imensidão da rua deserta.
A sensação de que já estive naquele lugar antes é indescritível.

domingo, 10 de maio de 2020

Contágio infernal em tempos de pandemia

Baixei um livro e comecei a ler. O livro analisa o apoio dos evangélicos a Bolsonaro. Ele já começa dizendo literalmente algo que eu dizia a um amigo essa semana sobre o motivo que leva os evangélicos a apoiarem Bolsonaro. Para entender melhor o que eu digo, seria interessante assistir 4 séries, que falam sobre o fundamentalismo religioso, presente no judaísmo, islamismo e cristianismo. Embora em religiões diferentes, é rigorosamente o mesmo. Eu dizia que os fundamentalistas evangélicos apoiam Bolsonaro porque vivem em um mundo paralelo de crenças que somente eles enxergam. A dinâmica do apoio a Bolsonaro nada mais é que a crença em teorias conspiratórias, negação da realidade, anticientificismo, crenças surreais como o terraplanismo, todo esse monte de coisas com uma cobertura de glacê que é o messianismo populista bolsonarista. Esse tipo de solução é o ambiente mais natural, quentinho, confortável a que o fundamentalista religioso está acostumado. Por isso movimentos fundamentalistas religiosos parecem tão esquisitos para quem olha de fora, enquanto que movimentos religiosos não fundamentalistas não parecem insanos para observadores que não comunguem da mesma crença e até permitem o diálogo. Veja como o livro começa: "Para Adela Collins, especialista no gênero em questão, as apocalípticas podem se configurar ou como um tipo de movimento social ou como uma linguagem de estrutura mítico-narrativa na qual uma revelação extraordinária é mediada por um believer, que desvenda uma realidade transcendente - supostamente inacessível aos 'profanos e pecadores' - na medida que vislumbra uma salvação futura ou que prospecta outro(s) mundo(s). Ou seja, apocalípticas são modos de imaginação e linguagem que objetivam alterar a disposição subjetiva e as práticas históricas daqueles que imaginam e sonham com tais futuros. Este é o sentido retroativo da imaginação futurista, ela produz profundas alterações no tempo real da experiência, no intenso agora." O livro: Contágio infernal - o apocalipse bolsonarista evangélico (Felipe dos Anjos, João Luiz Moura) As séries: The Family - Democracia Ameaçada (Netflix), O conto da aia, Nada ortodoxa (Netflix) e Califado (Netflix) link para baixar o livro: https://marketingeditorare.wixsite.com/ebooks

segunda-feira, 4 de maio de 2020

Aldir Blanc subverteu a Navalha de Occam


Uma das mais profundas experiências musicais que a MPB me proporcionou, foi o álbum “Simples e Absurdo” de Guinga e Aldir Blanc.
Já ouvi tantas vezes aquele álbum que devo ter superado as 100 audições. A genialidade, sofisticação, beleza, sensibilidade, exuberância daquelas canções sempre me deixam emocionado, mesmo na enésima audição.
Durante anos o álbum foi motivo para eu cultivar uma quase veneração a Guinga. Sempre que ouvia aquelas melodias sinuosas, inacreditáveis, passando por caminhos inesperados, brincando com aqueles poemas de puro lirismo, simplicidade e toque na alma sem o menos esforço, eu pensava com meus botões:
“Caramba, Guinga é muito gênio pra conseguir sacar melodias tão maravilhosas e inesperadas desses poemas profundamente líricos”.
Porque eu só conseguia conceber essa possibilidade: Aldir Blanc apresentara os poemas a Guinga e ele, com sua capacidade inigualável para parir melodias inesperadas, tinha chegado àquelas soluções geniais. E teria conseguido, com sua genialidade ímpar, parir melodias que traduziam à perfeição o clima sugerido pelos poemas. Quanta genialidade!
E, de fato, Guinga é um dos maiores gênios da nossa cultura.
Mas eu não estava preparado para o que veio a seguir.
Anos depois, assistindo a um documentário com Aldir Blanc, em um determinado momento ele dizia algo assim: “Ao contrário do que se pensa, Guinga não musicou meus poemas; fui eu quem criei poemas para suas melodias”.
Confesso que quase tive uma parada cardíaca. Como assim???
Uma coisa é alguém tão genial como Guinga criar aquelas melodias de poemas já prontos. Mas o contrário, sacar poemas tão maravilhosos e que se adaptassem à perfeição a melodias tão intrincadas quanto aquelas melodias de Guinga, me parecia algo muito, muito mais improvável!
E parece que não era o único que pensava assim, do contrário ele não teria dito o que disse no documentário.
Ou seja, Aldir Blanc era muito mais que gênio.
Com sua suprema genialidade, Aldir Blanc subverteu a Navalha de Occam.

sexta-feira, 1 de maio de 2020

Aprendendo com Algernon a ser mais crítico


Estou lendo o soberbo “Flores para Algernon”, de Daniel Keyes, que conta a história de um retardado mental que, depois de passar por uma cirurgia revolucionária, se torna um gênio. Os problemas que isso desencadeia à sua volta, nas suas relações, são muito interessantes.

De repente, as pessoas se sentem incomodadas por conviverem com alguém mais inteligente, capaz de enxergar coisas que elas não conseguem ver. É muito divertido e um convite à reflexão.

Estou em um trecho que me remeteu ao momento em que vivemos, aos “influencers” que arrastam atrás de si multidões de fãs, geralmente pessoas sem capacidade crítica para validar se o que esses “influencers” estão dizendo é verdade.

Ao ter sua inteligência desenvolvida de forma explosiva, ele foi capaz de ler muito rapidamente e, em um pequeno espaço de tempo, conseguiu absorver informação de especialistas numa quantidade que as pessoas jamais conseguiriam absorver em suas vidas. Daí, sempre que alguém dizia algo, ele tinha informações mais balizadas e rapidamente era capaz de identificar impostores, farsantes. E ele se tornou capaz disso não apenas porque era inteligente, mas principalmente porque sua inteligência o permitiu ler e compreender muito conteúdo que lhe deram ferramentas para rapidamente identificar uma farsa.

Isso me lembrou uma história que meu irmão contou quando estudava Letras na Fundação Santo André. Ele tinha uma professora por quem nutria profunda admiração, dado que ela falava com grande desenvoltura sobre qualquer assunto. Ele ficava embasbacado com tanto conhecimento em tantas áreas (que ele não conhecia). Até o dia em que ela resolveu falar sobre música de concerto, assunto que ele dominava com profundidade. Sua decepção foi terrível. Como ele conhecia bem sobre o assunto que ela se pôs a falar, facilmente identificou erros e equívocos na sua fala. De repente, aquela que era um poço de conhecimento ficava reduzida a uma quase impostora.

Como se defender de mestres da retórica que arrebatam multidões com suas lacrações? Primeiro, sendo inteligente (nem precisa ser gênio). Segundo, sendo o mais cético que puder. E por último e não menos importante, ler muito, pesquisar muito, movido pela sede do conhecimento, não da convicção.