sábado, 29 de outubro de 2016

Sobre o ensino médio

Há 15 dias fui a um evento em que o Vitor foi premiado por se classificar no 52º lugar em um simulado da Fuvest (Fuvestão, do Colégio Objetivo) em que participaram mais de 23 mil alunos do país. Na ocasião, fiquei pensando em algumas questões que vou colocar aqui.

INDÚSTRIA DO RANKING

Recentemente soube que é comum os colégios privados criarem 2 CNPJs, cadastrarem os melhores alunos em um deles e os demais no outro. Esses  CNPJs são inscritos no ENEM e o CNPJ com os melhores alunos acaba tendo melhores classificações no ranking do que seria se as escolas utilizassem um único CNPJ com todos. Isso me pareceu uma tremenda sacanagem.

Perguntando para a coordenadora pedagógica que foi à premiação com o Vitor, ela me disse que isso teria iniciado quando o Di Genio (Objetivo) propôs um sistema de avaliação das escolas diferente do adotado no ENEM e não foi ouvido. Ele teria dito que seria mais justo se as escolas fossem avaliadas pelo quanto contribuem para a evolução do aluno. Logo, uma prova do ENEM seria feita no início do ensino médio e outra no final. Com isso, a evolução dos alunos a cursarem todo o período em uma única escola seria o parâmetro para avaliar de fato o quanto a escola teria contribuído na sua evolução. Segundo ele, o sistema atual é injusto porque avalia igualmente escolas que aplicam vestibulinhos seletivos e, com isso, aceitam somente alunos de nível mais alto, enquanto que colégios como o dele aceitam alunos de qualquer nível (desde que paguem, claro). Como não foi ouvido, em protesto passou a utilizar essa “malandragem” e foi seguido por outras escolas.

Enfim, a demanda me parece razoável, mas acredito que existe um problema maior, esse foco do ensino médio em direcionar quase todos os esforços no preparo dos alunos para o vestibular/ENEM. Escolas que busquem uma formação mais holística, que se preocupem bastante em formar cidadãos pensantes, críticos, certamente se verão preteridas por escolas cujo foco seja a melhor pontuação nesses rankings como chamariz mercadológico. No final das contas quem perde é o aluno.

Penso que o ingresso na universidade deveria utilizar outros critérios adicionais e que não ficasse restrito a notas de provas objetivas de conhecimentos que são memorizados unicamente para garantir o ingresso nela, sendo desprezados logo em seguida. Que critérios seriam esses não sei, mas acredito que a sociedade como um todo ganharia mais com cidadãos mais conscientes, politizados, e que essa consciência provocada com bastante afinco no ensino médio. E claro, políticas afirmativas não poderiam estar de fora. O que seria necessário fazer? Não sei, mas não é possível que não haja nada melhor que esse modelo atual que incentiva essa indústria dos rankings e desvirtua – na minha opinião – o ensino médio.

MÉTODO E DISCIPLINA

Sempre fui um crítico do modelo de avaliação do vestibular porque condena os alunos a decorarem uma porção de conhecimento teoricamente inútil para eles, uma vez que será imediatamente jogado fora assim que conseguirem passar em um bom vestibular.

Entretanto, observando a rotina do Vitor, mesmo no ensino básico, percebi que, apesar dessa carga de aparente conhecimento inútil, há algo de muito positivo: para conseguir bons resultados nos concursos pré universidade, é preciso se impor uma rotina de estudos que demanda bastante método e disciplina.

Eu sempre gostei de estudar temas que me interessavam. No entanto, na escola raramente peguei um livro para estudar, apesar de sempre figurar entre os dois primeiros alunos da sala. Mesmo sem estudar, obtive surpreendentes classificações no Vestibulinho na ETE Júlio de Mesquita e vestibular na atual USCS. Mas é fato que, se eu quisesse tentar a USP, por exemplo, teria que me impor uma rotina de estudos, o que nunca fiz.

No entanto, observando o Vítor, penso nos benefícios que eu teria na minha vida adulta se, na idade dele, fosse tão focado e disciplinado nos estudos, ainda que em conhecimentos quase sem aplicação na vida cotidiana, provavelmente minha vida adulta teria sido mais fácil.

Portanto, se o método e disciplina a que o Vitor se impõe o ajudarão bastante nos desafios da vida adulta, e tenho impressão que sim porque ele está habituado e um nível de disciplina que eu não possuo, todo esse esforço terá valido muito a pena, ainda que me pareça inútil esse esforço de aprender e com uma certa frequência decorar conteúdo “inútil” para uma boa colocação em um vestibular.

MERITOCRACIA

Na premiação, os alunos foram chamados de “elite estudantil” do Brasil, uma adjetivação que me pareceu razoável. Aliás, o Vitor também obteve a 48ª posição em um simulado do ENEM  em que participaram mais de 16 mil estudantes do Brasil. Nesse, ele obteve a pontuação máxima em matemática, 1 ponto abaixo da máxima em Português e Inglês, e nas demais disciplinas, esteve pouquíssimos pontos distantes das pontuações mais altas. No Fuvestão a diferença entre o primeiro colocado e ele foi de apenas 10 pontos. Então é um nível muito acirrado onde estão os melhores alunos mesmo, o que justifica a expressão “elite”.

Observando o público presente no anfiteatro onde ocorreu a premiação, pude constatar que não havia pretos. O mais “escurinho” era eu, um mestiço nem tão escuro assim. Havia um percentual de “olhinhos puxados”, em um índice maior que costumo ver nos meus contatos diários, uma parte significativa de Suzano, o que justifica o mito do “japonês CDF”. No geral, eram todos muito branquinhos.

Isso nos leva a pensar que, ou os pretos são indolentes, intelectualmente menos capacitados, ou que é muito difícil encontrar um preto fazendo parte dessa “elite” porque as condições de competição deles são muito desfavoráveis em relação aos demais. Quanto ao Vítor, ele não trabalha e tem todo o dia à disposição para estudar. Na idade dele eu já trabalhava em tempo integral havia ao menos 2 anos e estudava à noite. Se ele tivesse que passar pelas mesmas restrições que eu passei, JAMAIS faria parte dessa elite.

Por esse motivo me entristece profundamente quando vejo tantas pessoas culpando os menos favorecidos, em especial os pretos, de não conseguirem fazer parte de elites estudantis, por exemplo, porque não se esforçaram o suficiente, porque ficam de “mimimi” e ainda têm a capacidade de utilizarem exemplos absolutamente fora da curva, exceções raríssimas, muito raríssimas de pretos que chegaram lá, como o ex-ministro do STF Joaquim Barbosa. Para mim que vivi toda uma infância de estigmas – e sempre senti isso na pele– soam extremamente cruéis e injustas essas colocações, de uma cegueira e burrice inacreditável a incapacidade das pessoas de enxergarem esses mecanismos estruturais perversos. Minha alma sangra com isso. Saí de lá feliz pelo Vitor, mas decepcionado por não ver sequer um pretinho na “elite estudantil”. 

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